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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

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MULHER À BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS

“Grain in Ear”, o segundo filme de Zhang Lu, escritor e realizador chinês, é um retrato da solidão de uma mulher coreana que vive em condições precárias no arredores de Pequim e cuja subsistência depende da venda de kimchi, um prato típico da Coreia.
Com um quotidiano rotineiro e pouco próspero onde tem como companhia o seu pequeno filho e quatro amigas prostitutas, Cui Shunji vê o seu dia-a-dia tornar-se mais desesperante quando se envolve com um homem casado, relação que conduz a uma série de problemas.

Alvo de humilhação, assédio sexual e chantagem devido à sua condição feminina e de imigrante, a protagonista assume uma postura cada vez mais lacónica, fazendo de “Grain in Ear” um drama dominado por uma angústia recorrente.

Dominado por silêncios (os diálogos são apenas ocasionais), longos planos fixos e um ritmo letárgico, o filme apresenta pormenores de realização curiosos, evidenciando que Zhang Lu tem engenho para proporcionar bons enquadramentos e alguns truques visuais (as melhores sequências são aquelas onde o espectador não sabe o que se passa por detrás das paredes ou portas que o realizador foca), mas nunca consegue fazer com que as suas personagens ganhem alma.

A protagonista, inexpressiva e apática, é especialmente desinteressante, e acompanhá-la ao longo de quase duas horas é um desafio que se arrisca a afastar os espectadores menos benevolentes.
As personagens do filho e de uma das prostituas são mais conseguidas e proporcionam os pouquíssimos momentos minimamente emotivos e enternecedores (os episódios das brincadeiras ou da televisão), mas sempre que o filme volta a centrar-se em Cui Shunji o tédio instala-se, oferecendo cenas bocejantes e intermináveis.

Árido e excessivamente contemplativo, “Grain in Ear” só se liberta da monotonia já na sequência final, onde a câmara se cola à protagonista e cria uma tensão e urgência que o filme não consegue apresentar até então, ficando na memória como uma experiência cinematográfica que se arrasta e raramente seduz, embora sugira que Zhang Lu ainda pode vir a tornar-se num esteta meritório.

E O VEREDICTO É: 1,5/5 - DISPENSÁVEL

A última hora

Ecléctico e geralmente seguro, François Ozon tem vindo a consolidar-se como um dos estimáveis cineastas franceses a emergir em meados dos anos 90, cuja obra tanto incide em domínios do musical (“8 Mulheres”), do suspense (“Swimming Pool”) ou do drama intimista (“5x2”), e onde o rigor e a eficácia costumam estar presentes.

“Le Temps qui Reste”, o novo filme do realizador, é o segundo de uma trilogia dedicada à morte, iniciada com “Sob a Areia”, no entanto desta vez o foco não incide sobre uma mulher de meia idade em busca do marido desaparecido, mas antes num jovem que é confrontado com a revelação de que lhe restam poucos meses de vida, devido a um tumor raro.
Romain, fotógrafo de 31 anos, vê a sua percepção do mundo alterar-se com a perturbante notícia, reavaliando as relações com os seus familiares, colegas e namorado e mergulhando numa espiral de inquietação, dor, dúvida e medo.

Películas baseadas em doenças terminais não são propriamente algo inovador por si só, e muitas vezes geram melodramas de escassa subtileza e gritantes doses de manipulação emocional, recorrendo aos rodriguinhos mais básicos e rasteiros (como o atestam muitos telefilmes). Ozon não envereda por esta via – nem tal se esperaria - e aborda o tema e o protagonista com o respeito e dignidade que merecem, nunca os utilizando como ferramentas para a comoção fácil.

Tendo já provado ser um perspicaz observador das relações humanas, o cineasta não defrauda as expectativas e apresenta um filme sólido, depurado e contido, sustentado em atmosferas realistas geradas pela fluída realização, que novamente concilia gravidade e leveza.

Se Ozon é decisivo para que “Le Temps qui Reste” seja um filme bem-sucedido, Melvil Poupaud mostra-se igualmente determinante, surpreendendo com uma interpretação magnética e carismática.
Compondo uma personagem ambígua e que dificilmente gera empatia imediata com o espectador, o actor principal oferece um desempenho exemplar, com uma entrega comparável à de Romain Duris em “De Tanto Bater o Meu Coração Parou”, de Jacques Audiard, outro filme francês recente com um belo título e um fortíssimo protagonista.
Em vez de incentivar a pena e as lágrimas do espectador, Poupaud constrói uma personagem de temperamento difícil, arrogante e individualista, mas que aos poucos vai revelando as suas fragilidades e virtudes, expondo assim o pior e o melhor da sua humanidade.

Com uma interpretação de alto calibre e uma temática marcante – e bem trabalhada -, “Le Temps qui Reste” sugere, a espaços, ser um filme capaz de se catapultar para um patamar próximo da excelência, mas infelizmente tal não chega a ocorrer.
Por um lado, há personagens secundárias cujo relacionamento com o protagonista é demasiado fortuito e inverosímil (o casal que deseja ter um filho), por outro, o filme, apesar de envolvente e por vezes tocante, sabe a pouco, parecendo bastante curto e deixando algumas arestas por limar (a relação de Romain com os pais e a irmã merecia maior aprofundamento, assim como a sua fase de adaptação à doença).

Embora se imponha como um dos bons filmes de 2006, “Le Temps qui Reste” acaba por desiludir um pouco porque tem elementos que lhe permitiriam juntar-se ao grupo dos melhores. De qualquer forma, Ozon continua a ser um cineasta a acompanhar, e este até é o seu melhor filme a estrear em salas nacionais, assim como o mais caloroso, só é grande pena que fique a um passo do brilhantismo.
 
E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM