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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

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Emoção, palminhas e o "Malhão"

Perante uma Aula Magna esgotada, Leslie Feist entrou em palco e desencadeou a primeira chuva de aplausos da noite, escondendo-se atrás de uma tela branca enquanto cantou "When I Was a Young Girl".

Esse tema inaugural revelou-se uma combinação de folk e blues tão envolvente como o cuidado cénico que marcou o concerto de ontem, presente tanto na bola de espelhos no topo do palco que iluminou a canção seguinte ou nas imagens que foram passando por um grande painel ao fundo, projectadas em tempo real por duas shadow assistants que as foram criando de forma arteasanal, em acetatos.

 

Aliança de imaginação e simplicidade, este cuidado visual segue a linha dos criativos videclips da cantora canadiana, em particular os de "The Reminder" (2007), o seu terceiro e mais recente disco, aquele que lhe deu maior projecção e a tornou numa das nomeadas para os Grammys em quatro categorias.

 

 

 

Alvo de maior popularidade do que quando se estreou em nome próprio por cá "dois anos, dez meses e dezasseis dias", como fez questão de relembrar ao início, esse maior mediatismo não foi, felizmente, sinónimo de comodismo ou perda de identidade, já que Feist destilou carisma e entrega ao longo da actuação.

 

Alternando entre a guitarra eléctrica e acústica - e, por vezes, o piano -, apresentando-se em palco sozinha ou acompanhada por uma banda, incidiu com maior frequência no último disco sem deixar de recordar o anterior, "Let It Die" (2005), do qual saíram o descomprometido "Mushaboom" ou as mais melancólicas "Gatekeeper", "Inside and Out" ou a faixa-título do álbum.

Mais minimalistas e denunciadores da belíssima voz e intensidade da cantora, estes exemplos de placidez contrastaram bem com a faceta mais indie pop de "The Reminder", bem patentes nas cores vivas da deliciosa "I Feel It All", nos coros de "Past in Present" ou no apelo irresistível de "My Moon My Man", superlativo single que ao vivo ganhou uma saudável dinâmica rock.

 

 

 

Nenhum gerou, contudo, a onda de êxtase generalizado presente em "1 2 3 4", onde quase todos os espectadores se levantaram das cadeiras para dançar e cantar um dos refrões mais orelhudos da noite.

Nesse momento ou no emotivo final de "Intuition", onde o público funcionou muito bem como coro, Feist esteve coordenada com o seu auditório, e só é pena que esse casos tenham sido a excepção num concerto onde as palminhas intrusivas foram a regra.

A histeria não foi tão gritante como no recente concerto dos The National mas a espaços esteve lá perto, tanto que no encore a cantora até pediu, num misto de classe e sentido de oportunidade, para as palmas não começarem até ao público identificar o ritmo da canção.

 

Estas quase estragaram temas que em nada as requisitavam, como o arrepiante lamento de "So Sorry", embora em alguns fossem de facto quase inevitáveis, como em "Sealion", a versão de "Sea Lion Woman", de Nina Simone, que ganhou uma dimensão gigantesca ao vivo.

 

 

 

A energia debitada em momentos como este, assim como a frescura que contemplou todos os outros, dificilmente denunciaram que a cantora e sua banda estavam já cansados no último concerto da digressão.

"Sentimo-nos como no último dia de aulas", confessou, mas ninguém diria, tendo em conta o entusiasmo e sentido de humor presentes ao longo de quase duas horas.

 

Para quem pensou que terminariam como começaram, com Feist atrás de um biombo chinês desta vez a cantar "The Water", houve mais uma surpresa: um pedido para que o público cantasse uma canção tradicional à sua cunhada portuguesa, a quem telefonou do palco.

A escolha recaiu no "Malhão", tal como já havia ocorrido no concerto de 2005, e esta comunhão natural entre artista e público foi o desenlace perfeito para um espectáculo que se aproximou várias vezes desse patamar, arriscando-se a ser recordado por muitos - e merecidamente - como um dos mais cativantes do ano.

 

 

Fotos: Vera Moutinho

 

 

Feist - "1 2 3 4"