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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

E agora, "Looking"?

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"Agora não há telenovela que não tenha um casal gay..."

 

Uma constatação destas, geralmente feita com um tom de desabafo reprovador, vai parar com alguma facilidade a uma conversa de café ou open space. E até nem anda longe da verdade, sobretudo no caso da produção portuguesa, que volta a agarrar com algum atraso o que já é tendência na televisão brasileira.

 

Menos comum é encontrar uma série em que a maioria das personagens seja homossexual. "LOOKING" não foi pioneira nessa vertente (as versões britânica e norte-americana de "Queer as Folk" ou "A Letra L" abriram-lhe caminho), mas nem precisou de ser para ocupar um espaço importante na representação de minorias no pequeno ecrã.

É verdade que, além de muitas novelas, tantas ou mais séries têm dado tempo de antena a personagens LGBT - e até em horário nobre com audiências a condizer, caso da recente "Como Defender um Assassino". Só que entre esse foco de atenção repartido e o olhar amplo da produção da HBO, cancelada no final da segunda temporada há poucas semanas, percorre-se uma distância considerável. E aí não há amontoados de telenovelas que compensem, nem mesmo retratos mais complexos (e marcantes) como o de David Fischer numa série do calibre de "Sete Palmos de Terra".

 

Dar visibilidade a uma comunidade pode ser um esforço bem intencionado, mas não é interessante por si só. "Empire" que o diga, ao centrar-se numa família afro-americana sem se afastar muito de códigos e estereótipos telenovelescos. O estilo excessivo, polémico e fértil em reviravoltas, embrulhado por uma máquina bem oleada, catapultou essa série de para um nível de popularidade nos antípodas da discrição (tanto narrativa como mediática) de "LOOKING".

 

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A aposta de Michael Lannan, mais interessada em episódios prosaicos do que escândalos de faca e alguidar, chegou a ter entre os argumentos dos detractores (muitos da comunidade LGBT) o facto de ser "demasiado normal". Mas a forma como acompanhou o quotidiano "normal" de três amigos de São Francisco sem escorregar para lugares comuns - tanto de telenovelas como de séries com personagens gay ou algum cinema queer -, filtrada pela sensibilidade de realizadores como Andrew Haigh (autor de "Weekend") ou Ryan Fleck ("Half Nelson - Encurralados"), é que a tornou especial.

 

Estas duas dezenas de episódios não precisaram de recorrer a situações-limite habituais (homofobia e vitimização, sintomas inesperados do HIV, a morte repentina do elemento de um casal) e ainda menos de tornar os protagonistas num símbolo de bondade angelical e/ou figura inevitavelmente trágica. E mesmo as personagens que poderiam parecer planas na primeira temporada revelaram-se contraditórias e ambivalentes na segunda, mérito de um argumento que tanto recusou o politicamente correcto como o sórdido e gratuito. "Demasiado normal"? Antes demasiado humano e com margem para aperfeiçoar o foco - os últimos episódios rebateram outras críticas que acusavam, com alguma razão, a série de se concentrar sobretudo em homens caucasianos, privilegiados q.b. e com uma postura heteronormativa.

 

No seu melhor, "LOOKING" foi facilmente mais cinematográfica do que boa parte dos filmes debitados nas salas todas as semanas. Os planos-sequência das conversas entre Patrick e Kevin, por exemplo, são muito menos ostensivos do que os de um "Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)" e vão muito mais longe na densidade do retrato íntimo - se calhar é por isso que a história vai terminar com uma longa-metragem de duas horas, já confirmada pela HBO e com filmagens agendadas para Setembro. Em momentos como essas cenas do casal, um dos pontos altos do último episódio, a série mostrou-se capaz de explorar, com detalhe e maturidade, as dinâmicas das relações amorosas, as conquistas da idade adulta e o medo do compromisso, com um apelo naturalmente maior para um público LGBT mas sem deixar outros à margem, havendo oportunidade e disponibilidade.

 

E agora? Agora não há canal que tenha uma série gay...