Licença para maçar
James Bond merecia melhor. Daniel Craig merecia melhor. Monica Bellucci merecia melhor. E, já agora, os espectadores também. Mas "007 SPECTRE" é mesmo o filme mais fraco da saga em muitos anos.
Entre um revigorante "Casino Royale" e um interessante (mas algo sobrevalorizado) "Skyfall", James Bond parecia bem lançado para se aguentar aos desafios do novo milénio, nomeadamente a concorrência de outros heróis e sagas de acção. E se entre um filme e outro "Quantum of Solace" chegou a beliscar essa boa forma, no episódio menos memorável desses três, a nova aventura vem comprometer ainda mais a consistência da personagem na pele de Daniel Craig, naquele que é o pior capítulo vivido pelo actor até agora.
Apesar de "007 SPECTRE" ter sido o mais caro de sempre da saga, chega a ser penoso constatar que também fica entre os momentos mais preguiçosos, com duas horas e meia em que Sam Mendes quase nunca sai do modo de piloto automático. Depois de ter reinventado parcialmente o protagonista em "Skyfall", adaptando-o aos nossos tempos sem deixar de honrar e homenagear o seu legado, o realizador de "Beleza Americana" confunde agora reverência com um mero desfile de citações a filmes anteriores de Bond, que até poderão ser divertidas para os fãs mais acérrimos mas em nada ajudam uma aventura indecisa entre o realismo, na linha das missões de Jason Bourne, ou um tom paródico com o qual choca de frente.
Por muito que esta aventura queira captar o zeitgeist, através de uma conspiração em que a tecnologia e os sistemas de vigilância são elementos decisivos, o argumento nunca sai de uma banalidade sisuda tornada ainda pior quando coloca o protagonista em situações-limite para o tirar delas da forma mais absurda. Essa opção aceita-se, por exemplo, em "Kingsman: Serviços Secretos", de Matthew Vaughn, que deve muito ao 007 de outros tempos e propôs uma revisão bem mais divertida e coerente. Não que esse seja um grande filme, como não o são os também recentes "Missão Impossível: Nação Secreta", de Christopher McQuarrie, ou "Mad Max: Estrada da Fúria", de George Miller, mas pelo menos deixaram uma mão cheia de cenas de acção impressionantes.
Infelizmente, Mendes nem deixa lastro nas sequências mais cinéticas. A abertura, com o plano-sequência nas celebrações do Día de los Muertos, na Cidade do México, chega a prometer (embora possa ser acusada de exibicionismo). Só que é sol de pouca dura num filme forrado pela fotografia quase sempre sépia e sonolenta de Hoyte Van Hoytema, a acentuar ainda mais a modorra narrativa.
Até a muito aguardada presença de Monica Bellucci como Bond girl desilude. Sobretudo porque é só mesmo isso, uma mera presença a picar o ponto num par de cenas, que no máximo ficará como nota de rodapé da saga. Admita-se que o argumento tenta dar mais peso dramático a Léa Seydoux, mas a evolução da sua relação com Bond é tão forçada que é difícil não sentir saudades da Vesper Lynd de Eva Green (e da atenção que "Casino Royale" lhe concedeu).
Outro nome que não deixa grande marca, Christopher Waltz tem o papel ingrato de vilão megalómano e vingativo, tão esterotipado como o brutamontes de Dave Bautista ou o acumular de situações de suposta tensão vistas e revistas, em especial num último terço que deita decididamente abaixo qualquer laivo de esperança de um filme decente. Já se sabia que Bond sairia a ganhar em "007 SPECTRE", mas era preciso ser pela lei do menor esforço?