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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Tiro ao lado

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Desde "Gran Torino" (2008) que Clint Eastwood não faz um filme marcante - "J. Edgar" talvez seja a excepção -, mas mesmo assim era legítimo esperar alguma coisa de "SNIPER AMERICANO". Infelizmente, a obra que tem batido recordes de bilheteira nos EUA reduz-se a uma hagiografia simplista tornada ainda pior ao confundir liberdade criativa com desonestidade intelectual.

 

Chris Kyle, o protagonista, foi o maior atirador da história militar-norte americana (responsável por pelo menos 160 mortes no Iraque) e esteve longe de ser uma figura consensual, como aliás o próprio assinalou na autobiografia em que o filme se baseia. Mas Eastwood e o seu argumentista parecem ter lido o livro na diagonal e deixam de fora alguns dos episódios mais controversos (como os assassinatos nos EUA que o autor reclama, nunca confirmados), sintomas de fantasmas psicológicos e de um assumido prazer em premir o gatilho que "SNIPER AMERICANO" ignora, preferindo apostar na glorificação de um inequívoco herói patriótico (devidamente rematada com um final solene e pesaroso, tão colado a telefilmes de "casos da vida" como o flashback explicativo do início).

 

Pode dizer-se que, sendo um exercício de ficção, o filme está à vontade para adoptar um ângulo mais parcial do que o que se esperaria numa reportagem ou num documentário. O que é legítimo, embora não só pinte um retrato idílico e postiço do soldado também conhecido como "A Lenda" e ex-guarda costas de Sarah Palin - contando meias verdades a meio mundo que não procure saber mais - como resulta num drama que desperdiça grande parte do potencial. E assim deparamo-nos com um biopic genérico e domesticado, que dispara ao lado tanto como estudo de personagem (demasiado polido e esquemático), reflexão sobre a guerra (ainda que esta seja mais ambígua do que o retrato do protagonista) ou mero entretenimento (a modorra vai tomando conta destas mais de duas horas com muita ganga narrativa).

 

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Nem tudo é mau: Bradley Cooper consegue fazer com a personagem se torne credível, na mais merecida das três nomeações para os Óscares que já teve, e Sienna Miller é tão ou mais surpreendente, ainda que no papel ingrato de esposa e mãe chorosa já visto em tantos filmes de guerra ou policiais (a cena em que o casal se conhece, das mais espontâneas e bem escritas, prometia mais do que o drama doméstico tão mecânico que se segue).

 

Mas nem a entrega da dupla chega para aguentar o olhar tão maniqueísta, com os iraquianos sujeitos a meras peças de tabuleiro prontas a esbanjar em cenas de tiroteio (com direito a suspense à custa de idosos e criancinhas) ou ao papel de traidores mal agradecidos. Pior ainda é o vilão de serviço, Mustafa, ex-atleta olímpico que passa o filme a fazer parkour sem debitar uma palavra antes de um duelo final que seria risível até numa aventura de super-heróis. Essa sequência também está entre as maiores "liberdades criativas" deste biopic, tendo em conta que Kyle admitiu nunca ter conhecido o sniper sírio. Se a ideia era inventar tanto, não teria sido preferível criar uma história de raiz? Independentemente disso, a que "SNIPER AMERICANO" oferece é arrastada, esquecível e tão rudimentar como o bebé falso que se tornou num fenómeno.

 

 

 

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