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Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Um regresso à maneira dela

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Onde está e por onde andou Macy Gray, a voz do multiplatinado e premiado "On How Life Is?" (1999), um dos discos mais populares da viragem do milénio?

 

Aparentemente, as dúvidas sobre o paradeiro de Natalie Renée Barry McIntyre, o nome de baptismo da cantora de 45 anos em tempos comparada a Billie Holiday, Nina Simone ou Tina Turner, foram fortes o suficiente para que Oprah se debruçasse sobre o assunto no especial "Where Are They Now?" emitido há poucos dias.

Talvez não fosse caso para tanto. Os fãs mais atentos poderiam ter dito à apresentadora que Gray nunca se afastou da música desde o famigerado disco de estreia, abanão em terrenos soul e r&b ao revelar uma voz pouco consensual - com uma rugosidade que nem a própria cantora apreciava -, mas também singular e inconfundível. Ainda assim, a dúvida era legítima. Afinal, o sucesso comercial e crítico de "On How Life Is?" nunca conheceu uma réplica significativa nos anos que se seguiram, durante os quais Gray também se aventurou pelo grande e pequeno ecrã como atriz (de "Ally McBeal" ou "Dia de Treino" ao mais recente "The Paperboy - Um Rapaz do Sul").

 

"Tive todo o sucesso ao início e acho que não tinha um plano para o manter. (...) Tomei-o como certo e pensei que ia ser sempre assim", assumiu a cantora no especial televisivo. E não se ficou por aqui, realçando que o deslumbramento de principiante abriu caminhou para o fascínio e dependência de drogas - superada nos últimos anos -, rotina que chegou ao ponto de a levar a adormecer em várias entrevistas.
Este olhar para trás não se esgotou na conversa de "Where Are They Now?" e inspira também "The Way", álbum em que Macy Gray lamenta algumas más escolhas logo na faixa título ("I'd like to make it up to all of you that I disappointed (...) I think of all the mistakes that I made"). Mas felizmente o oitavo disco de estúdio nunca se aproxima da auto-comiseração e encara os problemas de frente, com o carisma e atitude de que os anteriores nunca abdicaram apesar da irregularidade dos alinhamentos.

 

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"Aprendi muito. Acredito que tive de passar por essas coisas para ser o que sou hoje. Deixar as drogas, deixar de ser uma idiota... tive de passar por tudo isso", confidenciou também. Essa lição de vida ajudará a explicar a quantidade de canções optimistas e luminosas de "The Way", que poderiam passar por moralistas e tolinhas com uma voz menos vivida. As palmas e coros do final de "Need You Now" talvez não escapem a facilitismos radiofriendly, mas "First Time", por exemplo, sai-se inacreditavelmente bem enquanto ode graciosa à descoberta do amor já na ternura dos quarenta, com um casamento feliz entre pop e soul.

Posto isto, "The Way" seria um disco mais interessante caso a produção não fosse quase sempre tão limpa. Pelo menos é isso que sugerem alguns dos seus melhores  momentos, como "Bang Bang", atípico acesso rock a marcar a vertente orgânica do álbum (uma viragem face aos mais sintéticos "Big", de 2007, e "The Sellout", de 2010) e um arranque a sério depois de "Stoned", tema de abertura competente mas pouco empolgante. 

 

Outra canção forte, "I Miss the Sex" nasce da promiscuidade do baixo, piano e percussão e mostra a faceta mais desbocada de Gray, que noutras vozes poderia tornar-se gratuita mas aqui parece perfeitamente natural. Sem papas na língua, a norte-americana não tem problemas em abordar o que mais a interessava num ex-companheiro e a marcha instrumental jazzy/funky vai muito bem com os seus sussurros.

 

 

Também motivada pela libido, agora num tom leve e festivo, "Hands" foi uma escolha certeira para single, já que é mesmo das faixas mais imediatas e contagiantes. Em ambiente disco, não demora muito a atirar-se a um refrão orelhudo com uma despretensão que podia ensinar alguma coisa a muitas estrelas da pop atual.

Mas se atribuíssemos o galardão de canção majestática do disco, iria obrigatoriamente para "Queen of the Big Hurt", e nem seria pelo título. Óptimo exemplo de soul orquestral, assenta numa pompa que compensa a segunda metade algo discreta e plana de "The Way" e, tal como a faixa título, dá conta da montanha-russa emocional vivida por Gray, entre sucessões de tentativas e erros. "I could be good to you/ Give me time to heal from it", garante, com uma forma vocal ao nível do festim de cordas e metais.   
 
À semelhança do que ouvimos nos discos anteriores, canções deste calibre são mais exceção do que regra, mas isso não nos impede de saudar o regresso da cantora aos originais depois de dois álbuns de versões em 2012 (a propósito, quem mais se atraveria a editar dois álbuns de versões no mesmo ano - um de temas dos Radiohead, Yeah Yeah Yeahs, Nina Simone ou Eurythmics, outro a rever "Talking Book", clássico de Stevie Wonder -, ambos com releituras estimáveis?). Um regresso a juntar aos de Neneh Cherry e Kelis, outras vozes inspiradas pelo r&b e soul de vistas largas (com algum mau feitio à mistura, e ainda bem), mesmo que "The Way" seja mais conservador do que "Blank Project" e não tenha a coesão de "Food". Às vezes, no entanto, ouvir Gray a cantar "Life is beautiful", no último tema, com uma convicção e voracidade ao alcance de poucos, é meio caminho andado para manter um disco destes por perto.

 

 

 

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