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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

UM PERCURSO COM CURVAS NEGRAS

Uma das bandas mais injustamente esquecidas dos anos 90, os britânicos Curve anunciaram a sua dissolução em 2005, ditando assim o fim o ponto final de uma discografia influente e sempre interessante.

Criadores de sonoridades eclécticas que conciliavam rock, shoegaze, dream pop, industrial e trip-hop, o duo constituído por Dean Garcia (instrumentista) e Toni Halliday (vocalista) foi um dos precursores na fusão da abrasividade das guitarras e de texturas electrónicas hipnóticas, experiências efectuadas em quatro álbuns e outros quatro EPs, entre 1990 e 2001.

Recolhendo os melhores condimentos dos Eurythmics (com quem Dean Garcia colaborou), Cocteau Twins, Siouxsie and the Banshees ou The Cure, os Curve surpreenderam pela carga atmosférica das suas composições, conseguindo equilibrar visceralidade e elegância que se aliavam naturalmente à voz sedutora de Toni Halliday.

Situando-se numa esfera próxima dos Lush, Cranes ou My Bloody Valentine, a dupla deixou registos marcantes como o álbum de estreia, “Doppelganger”, de 1992, ou os quatro EPs que o antecederam, implementando uma sonoridade própria que teve um seguimento seguro nos trabalhos seguintes.

Abrindo caminho para territórios que seriam trilhados por nomes das electrónicas negras como os Garbage, Sneaker Pimps, Lamb, Whale, 12 Rounds ou mesmo os Ladytron (confira-se em “The Witching Hour”), os ambientes encantatórios das composições dos Curve continham melodias nem sempre imediatamente acessíveis mas com uma estranha aura de claustrofobia e tensão, que “The Way of Curve” documenta eficazmente.

 

“The Way of Curve”, CD duplo editado em 2004, recupera alguns dos momentos mais fortes da banda, apresentando singles e outros temas dos álbuns no primeiro disco e oferecendo lados-B e raridades no segundo.

O primeiro disco da compilação inclui episódios determinantes como “Ten Little Girls” (soberba combinação de rock electrónico com spoken word), “Die Like a Dog” (um portento de intensidade, com uma muito conseguida gestão de atmosferas), “Horror Head” (com alguns dos mais envolventes suspiros de Halliday, uma das melhores canções da banda) ou “Fait Accompli” (um dos temas mais emblemáticos de “Doppelganger”), da fase inicial da dupla.

Infelizmente, o alinhamento privilegia mais os dois últimos discos da banda, interessantes, mas não tão refrescantes quanto os antecessores. Lamenta-se especialmente a ausência de mais canções de “Cuckoo” (como “Crystal” ou “Unreadable Communication”). Ainda assim, temas como “Chinese Burn” (Prodigy meets Nine Inch Nails meets Chemical Brothers) ou “Perish” (uma balada fantasmagórica) atestam a qualidade da selecção.

O segundo disco de “The Way of Curve” é um concentrado de temas perdidos, sendo um pouco mais desequilibrado do que o primeiro, uma vez que contém algumas faixas dispensáveis como as remisturas dos Lunatic Calm a “Chinese Burn” (com um big beat datado e cansativo), de Kevin Chields a “Coming Up Roses” (que não compromete o original, mas também não lhe alarga o espectro) ou a versão dos próprios Curve de “I Feel Love”, de Donna Summer (apenas curiosa).

Apesar desses temas menos inspirados, há bons momentos como “Triumph” (lento, soturno e vibrante), “Sinner” (com belíssimos traços etéreos), “Low and Behold” (dominado por cenários inóspitos e cortantes), a remistura de Aphex Twin para “Falling Free” (que não sendo brilhante é um conseguido exercício ambient) ou “What a Waste”, de e com Ian Dury (agreste e sinistro q.b.), que acabam por compensar ocasionais deslizes.

“The Way of Curve” não é uma retrospectiva perfeita do percurso de Dean Garcia e Toni Halliday, mas as mais de 30 canções que reúne são suficientes para confirmar que os Curve são uma presença essencial em qualquer colecção de discos que pretenda englobar o melhor dos anos 90. Um nome a (re)descobrir, pois o seu fascínio permanece intacto e a discografia merece audição (e, já agora, reedição) atenta.
 
 
 
E O VEREDICTO É: 4/5 - MUITO BOM

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