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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

A DROGA PERFEITA

Não seria fácil criar um sucessor para "The Downward Spiral", o disco mais emblemático dos Nine Inch Nails e, para muitos, um dos melhores da década de 90.
A banda de Trent Reznor assinalou um regresso ambicioso, em 1999, através de um álbum duplo e, mais uma vez, conceptual, registando mais uma decisiva etapa no percurso do grupo.

Apesar de não ter sido tão aclamado como o seu antecessor - a recepção do público e da crítica foi mais discreta e o disco não marcou uma época - "The Fragile" não deixa de ser um portentoso trabalho, consolidando uma linguagem pessoal e singular e distanciando-se cada vez mais de algumas influências - Ministry ou Skinny Puppy, entre outros - presentes nos primeiros discos dos Nine Inch Nails.
Paralelamente, o álbum ensina a projectos na linha dos Marilyn Manson como fazer rock de contornos industriais/góticos/electrónicos sem cair em facilitismos ou estruturas formatadas. Sim, Marilyn Manson pode gerar mais controvérsia, com inevitáveis ódios e paixões, mas musicalmente a banda de Trent Reznor está num plano bem mais elevado e influente, como "The Fragile" pode confirmar.

O disco apresenta atmosferas um pouco mais apaziguadas e calmas do que os registos anteriores do grupo, embora ainda contenha múltiplos momentos carregados de dinamismo e energia cinética, quase sempre envolventes e intrigantes.
Os ambientes encontram-se dominados por densas auras de tensão, despoletando uma considerável carga claustrofóbica a espaços, o que pode tornar muitas das canções pouco imediatas e cativantes às primeiras audições. No entanto, "The Fragile" é um disco - ou antes, dois, uma vez que é duplo - para ir descobrindo aos poucos, dado que as complexas estruturas das composições e a minuciosa produção o tornam num álbum difícil de assimilar rapidamente.
Quando a estranheza inicial desvanece, "The Fragile" assume-se então como um conjunto de canções viciantes e absorventes que exigem diversas audições, gerando um todo que é mais do que a soma das partes. O alinhamento dos temas está criteriosamente pensado, de forma a que cada canção flua naturalmente e se torne indissociável da seguinte, e verifica-se ainda um bom doseamento entre temas instrumentais e os que recorrem à voz de Trent Reznor.

Repleto de nuances, apostando tanto em momentos melancólicos e lacónicos como em episódios de maior rudeza e visceralidade, "The Fragile" destaca-se como um muito interessante concentrado que funde o universo do rock com electrónicas negras, um dos melhores dos NIN.

As atmosferas penumbrentas e sinistras não se encontram muito distantes de composições próprias para uma banda-sonora de um eventual filme de culto, dada a carga cinemática de grande parte das canções (o que nem é de estranhar, tendo em conta que a banda colaborou nas bandas-sonoras de "Estrada Perdida", de David Lynch, ou "Assassinos Natos", de Oliver Stone).

Determinante para a concepção do disco é a presença de Trent Reznor, mentor do projecto, que para além da criatividade na composição dos temas e na escrita das letras proporciona ainda a carga dramática adequada na sua colaboração vocal. As canções fornecem perspectivas acerca da desilusão, desespero, perda, alienação, amor ou solidão, questões que sempre estiveram presentes na identidade da banda e que, mais uma vez, são exploradas, por vezes de forma um pouco exaustiva e niilista (não evitando mesmo alguns desvios para uma cansativa e redundante teen angst).

O álbum proporciona uma série de brilhantes canções, casos de "The Day the World Went Away" (com uma excelente alternância de ambientes calmos e pesados), "La Mer" (num inesperado contacto com territórios estranhamente serenos), "Starfuckers, Inc." (um dos temas mais acessíveis e vibrantes), "The Great Below" (um nebuloso e inquietante momento, na linha do emblemático "Hurt"), "The Frail" (um dos episódios mais arrepiantes e hipnóticos do álbum), "Just Like You Imagined" (um dos mais surpreendentes instrumentais) ou a faixa-título "The Fragile" (com um efusivo crescendo emocional).

Intenso e ecléctico, "The Fragile" é um ousado álbum de um dos mais criativos nomes do rock actual que, mesmo com alguns momentos mais fechados e herméticos, não deixa de conter um conjunto de canções brutais e fascinantes.
Por estas paragens, o rock ainda não perdeu vitalidade...

E O VEREDICTO É: 4/5 - MUITO BOM

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