Tendo em conta que "Um Sogro do Pior" (Meet the Parents) foi uma das mais bem-sucedidas comédias norte-americanas de 2000, juntando a dupla de peso Robert DeNiro/Ben Stiller, a concepção de uma sequela era quase inevitável. Quatro anos depois, o realizador Jay Roach reuniu o elenco do filme do original, acrescentou algumas personagens e proporciona agora uma nova aventura para a família Focker.
"Uns Compadres do Pior"(Meet the Fockers) foi um êxito de bilheteira nos EUA no final de 2004, comprovando que o título original marcou grande parte dos espectadores, e conta com a participação de Dustin Hoffman e Barbra Streisand no papel dos pais do protagonista. Desta vez, o casal Focker e sogros viajam até Detroit para conhecer os pais de Greg e acertar os preparativos para o casamento do jovem par, o que irá despoletar mais uma série de episódios obrigatoriamente atribulados e desconcertantes. As diferenças em relação ao primeiro filme não são muitas, embora agora o antagonismo não ocorra tanto entre Jack (DeNiro) e Greg (Stiller) - ainda que este persista - , mas antes entre o temível "sogro do pior" e os seus pitorescos compadres.
Mais uma vez, Jay Roach apresenta uma boa direcção de actores, apostando num elenco coeso e sólido, algo que nem sempre está presente em muitas comédias norte-americanas mainstream. Roach consegue gerar também um ritmo fluído e dinâmico, com uma eficaz gestão dos gags e uma boa noção de timing. Estes elementos já tinham tornado "Um Sogro do Pior" numa comédia um pouco acima do nível geralmente desinspirado proveniente das produções comerciais made in USA, encaradas como uma banal sequência de disparates apatetados e infantis.
"Uns Compadres do Pior" tem o mérito de oferecer personagens minimamente trabalhadas e com algum carisma, interpretadas por actores competentes neste registo. É certo que o argumento é esquemático e rotineiro, vincando o choque de mentalidades entre os casais, e a realização não proporciona cenas de antologia que tornem o filme particularmente marcante, mas se o que se espera aqui é uma comédia escorreita e razoavelmente divertida, Jay Roach consegue estar à altura.
Por vezes, as situações cómicas enveredam por alguma escatologia e momentos de gosto duvidoso, que já se notavam no primeiro filme mas não de forma tão frequente. Mesmo assim, essas ocasiões não impedem que"Uns Compadres do Pior"contenha uma série de gags bem conseguidos, suficientemente competentes para o tornar numa experiência agradável, apropriada para quem procura um filme leve e simpático sem sofrer atentados à inteligência. Não há por aqui nada de inovador ou especialmente criativo, mas por enquanto ainda vale a pena ir conhecer os Fockers...
Nos últimos anos, o cinema documental tem sido alvo de uma notória vitalidade e destaque, tornando-se num género cada vez mais aceite pelo grande público. "Fahrenheit 9/11", de Michael Moore, ou "Super Size Me - 30 Dias de Fast-Food", de Morgan Spurlock, foram dois dos títulos mais mediáticos de 2004, mas há outros exemplos dignos de atenção oriundos de círculos mais alternativos e marginais. "Tarnation", de Jonathan Caouette, é um deles, e proporciona uma imprevisível e absorvente viagem pelas memórias do realizador, levando ao limite o princípio do do-it-yourself.
Caouette debruça-se sobre alguns dos mais marcantes acontecimentos da sua vida recorrendo a imagens do seu arquivo pessoal, recolhidas desde os seus 11 anos através de câmaras Betamax, VHS, Hi-8 ou Mini-DV. Expondo gravações privadas que focam situações do seu quotidiano familiar, o realizador evidencia sobretudo a tensa e dolorosa relação com a sua mãe Renee Leblanc, doente bipolar, responsável por alguns dos momentos mais perturbantes da sua vida.
Paralelamente às filmagens, geradas ao longo de 19 anos, "Tarnation" inclui ainda álbuns de fotografias, gravações de atendedores de chamadas, cenas de programas de TV e filmes, diários registados em cassetes e canções emblemáticas do percurso do autor, resultando numa complexa e criativa colagem de fragmentos díspares.
Mais do que um intrigante exercício de cut n' paste, "Tarnation" é um denso e inquietante olhar sobre as relações familiares, o crescimento, a identidade e a disfuncionalidade, originando um retrato onde a fronteira entre o genuíno e o encenado é ténue e dúbia. Por vezes narcisista e auto-indulgente, noutros momentos sensível e comovente, o filme - ou antes, esta inclassificável experiência audiovisual - tanto aposta numa crua vertente realista como em atmosferas de inebriante onirismo, gerando uma insólita perspectiva acerca de uma vida vincada pela melancolia.
Expondo a sua infância conturbada e a não menos difícil adolescência - onde se manifestou o contacto com as drogas, a dilaceração familiar ou a afirmação sexual -, Caoette apresenta uma obra dolorosamente pessoal marcada pela vulnerabilidade afectiva. Para além da relação com a sua mãe (e com a desconcertante doença mental desta), o realizador foca também a sua paixão pelo cinema e música underground - a determinante banda-sonora contém nomes como Magnetic Fields, Low, Nick Drake ou Cocteau Twins -, pelos musicais ou pela cultura gay (com a qual lidou desde muito cedo).
Embora não evite alguns passos em falso, enveredando por um voyeurismo eticamente questionável - até que ponto Caouette terá legitimidade para divulgar certos episódios pessoais dos seus avós e mãe? - e oferecendo ocasionais cenas redundantes e dispensáveis, o turbilhão emocional que "Tarnation" contém é tão pujante que se sobrepõe às suas evidentes fragilidades.
Atípica, memorável e inovadora, a primeira obra de Jonathan Caouette é um dos mais surpreendentes filmes do início de 2005, uma pequena pérola indie que pode gerar ódios e paixões, mas dificilmente deixará algum espectador indiferente. No meio de tantos filmes inócuos e indistintos, essa é já uma característica meritória - mas não a única - deste peculiar e recomendável home movie.