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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

SEGREDOS E MENTIRAS

Habitualmente marcados por questões como a obsessão, a mentira, o desejo ou a culpa, a maioria dos filmes de Atom Egoyan carrega também uma estranha e inquietante aura que ajudou a distingui-lo enquanto cineasta singular e com um olhar próprio bem vincado em títulos como o soturno e brumoso “Exotica” ou o simultaneamente brilhante e angustiante “O Futuro Radioso”.

“Onde Está a Verdade?” (Where the Truth Lies), a sua película mais recente, evidencia também essas características ao seguir a investigação de uma ambiciosa jornalista dos anos 70 que tenta averiguar o que levou a que uma jovem aparecesse morta no quarto de hotel de dois famosos entertainers televisivos, incidente ocorrido duas décadas antes. No entanto, a busca da protagonista é atravessada por peripécias não menos problemáticas do que aquelas que conduziram à misteriosa morte que investiga, originando um intrincado jogo de enganos e ilusões condimentado por sexo, chantagem e manipulação.

Recolhendo influências do film noir, Egoyan propõe aqui um exercício onde, mais uma vez, destroça as máscaras das personagens e não hesita em expor o melhor e, sobretudo, o pior da sua humanidade, elemento sempre presente ao longo da teia de acontecimentos que envolve e atormenta o trio interpretado por Alison Lohman, Kevin Bacon e Colin Firth.
Porém, em “Onde Está a Verdade?” essa característica do seu cinema não se revela tão estimulante como noutros casos, uma vez que a abordagem é demasiado superficial, mais confusa do que complexa, e embora o argumento tente apresentar alguma vitalidade ao recorrer a diversas reviravoltas, estas tornam-se cansativas e algo forçadas, assim como a sobrecarga de flashbacks.

A própria atmosfera não é tão onírica nem enigmática quanto se esperaria em Egoyan, pois embora o realizador consiga proporcionar ambientes frios e clínicos (a banda-sonora ajuda), apropriados à história que pretende contar, estes nem sempre contêm a vibrante carga de sedução e visceralidade emocional necessária.

O resultado é, assim, mais estereotipado do que desafiante, interessante de seguir mas pouco memorável, e a ambiguidade que “Onde Está a Verdade?” ainda consegue criar deve-se sobretudo aos sólidos desempenhos de Firth e (principalmente) Bacon, cujas personagens carregam o filme às costas, do que à densidade do argumento ou à mestria da realização.

Um filme funcional e eficaz, mas incapaz de explorar de forma tridimensional a face mais negra, sórdida e arrepiante da esfera humana, algo que o cineasta já provou ser capaz de fazer. É caso para perguntar onde está Egoyan...

E O VEREDICTO É: 2,5/5 - RAZOÁVEL

O BOM REBELDE

Alvo de consideráveis elogios em alguns festivais internacionais por onde passou – como o de Berlim ou o de Cannes, que premiaram o actor principal, Lou Taylor Pucci -, “Chupa no Dedo” (Thumbsucker), a primeira longa-metragem de Mike Mills, realizador com experiência na área dos videoclips, tornou-se num dos maiores hypes do cinema independente americano recente, pelo que a sua estreia se aguardava com algum interesse.

Nos últimos anos, “Uma Pequena Vingança”, de Jacob Aaron Estes, ou “Donnie Darko”, de Richard Kelly, destacaram-se como brilhantes primeiras-obras indie que exibiam já grande maturidade e personalidade, mas “Chupa no Dedo”, apesar de uma certa onda de aclamação crítica, não está, infelizmente, à altura desses exemplos, o que não implica que seja uma película sem interesse.

O filme parte de uma premissa curiosa, focando um jovem de dezassete anos que tem desde a infância o vício de chuchar no polegar, hábito frequentemente repreendido pelos pais e ridicularizado pelo irmão mais novo.
Tímido, recatado e inseguro, Justin decide então resolver essa questão de vez e abandonar essa prática, e aos poucos vai (re)descobrindo a confiança em si próprio, adquirindo maior pragmatismo e evidenciando uma até então escondida capacidade de expressão, que se torna bastante útil em debates escolares.

Ainda que assente num ponto de partida algo invulgar, o argumento de “Chupa no Dedo” desenvolve-se depois de forma que, se não chega a ser descaradamente convencional, está pelo menos bastante próxima de muitas obras do cinema alternativo norte-americano, apostando no mesmo tipo de personagens, situações, ambientes e conflitos. Isso não chega para fazer deste um mau filme, longe disso, mas também não lhe permite que passe de um trabalho modesto e correcto que poderia ter ido bem mais longe.

Mike Mills acerta quase sempre, sem no entanto surpreender. A abordagem da solidão, adolescência, identidade, frustração, união familiar e, em última instância, das dificuldades e contingências das relações humanas, é feita com sobriedade e sentido de observação suficientes, mas sem rasgos. É tudo demasiado polido, e embora existam algumas zonas de sombra a complexidade emocional das personagens é só parcialmente explorada.

“Chupa no Dedo” é uma dramedy mediana, tem bons momentos de humor e de drama mas sem sempre bem conciliados, sofrendo ainda de um ritmo irregular e de uma narrativa pouco arriscada.
Felizmente, os actores são quase todos convincentes e elevam um pouco o material a que estão sujeitos, desde uma intrigante Tilda Swinton a um amargurado e vulnerável Vincent D’Onofrio, passando ainda por um surpreendente Vince Vaughn. Lou Taylor Pucci, no papel principal, não destoa, apesar do seu desempenho e personagem se assemelharem muito aos dos protagonistas de “Quase Famosos”, de Cameron Crowe, ou de “Conta-me Histórias”, de Todd Solondz. Já Keanu Reeves, não obstante o esforço, compõe um dentista zen sem grande chama.

O tom sereno e contemplativo de grande parte do filme quase faz esquecer que Mills provém de domínios dos videoclips, pois não se encontram aqui truques visuais especialmente arrojados, no entanto saúda-se o bom gosto na escolha da banda-sonora, com canções dos Polyphonic Spree e Elliott Smith.

“Chupa no Dedo”, mesmo desequilibrado e não trazendo nada de novo ao cinema indie – pelo contrário, há por aqui excessivos paralelismos com obras de Terry Zwigoff, Burr Steers ou Gus Van Sant (da fase menos ousada), entre outros -, é uma opção a considerar para quem quiser conhecer (mais) uma boa história de outcasts, losers e inadaptados. Tem, portanto, o suficiente para tornar Mills num realizador a merecer alguma atenção, e quem sabe se o seu próximo filme não será, de facto, brilhante…

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

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