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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

AO TERCEIRO (DIA) FOI DE VEZ

O festival Roots & Routes reservou para o séu último dia um dos nomes cimeiros do dubstep, movimento urbano emergente do qual "Memories From the Future", de Kode 9 e The Spaceape, é apontado como um disco exemplar e defendido por muitos como um dos lançamentos discográficos nucleares de 2006. Pese embora algum exagero, a verdade é que a dupla britânica apresentou-se ontem em palco e mostrou ao público do MusicBox tudo o que um concerto deve ser, proporcionando um alinhamento mais rico do que o do álbum de estreia, onde as versões das composições perderam a carga minimalista a favor, e bem, de uma sonoridade mais atmosférica, absorvente e dinâmica.

Geiom

Spaceape, situando-se sempre próximo de um spoken word austero e inquietante, foi um contraponto perfeito para a minuciosa manipulação de beats encetada por um discreto Kode 9, e se os momentos iniciais viveram muito da carga sinistra e densa, quase sonâmbula, que já contaminava o disco, pouco demorou para que Spaceape começasse a interagir com os espectadores, dando início a uma euforia dançável que disseminou pela maioria (todos?) os presentes.
As imagens projectadas atrás do palco, quase todas dominadas por tons brancos, cinzentos e negros, constituíram a única iluminação do espectáculo, adequando-se às palavras de ordem emitidas por Spaceape, onde o sagrado e o profano se misturam num discurso tenso, pungente e quase apocalíptico (não é por acaso que "Sing of the Times", de Prince, foi o tema ouvido durante a entrada do duo).

Sombrio mas vibrante, o concerto foi, e justificadamente, o que registou a maior adesão do festival, tanto a nível do número de espectadores como da energia que se propagou entre estes e os músicos, uma vez que Spaceape saiu por várias vezes do palco para cantar no meio da audiência, comprovando ser um exímio mestre de cerimónias (o que quase fez esquecer a sua entoação algo monocórdica).

Boxcutter

Durante cerca de duas horas imparáveis, sem momentos mortos nem sequer quebras de ritmo, a dupla mostrou que o dubstep respira saúde, e ao vivo é a melhor forma de atestar os seus méritos e singularidades. Atribuir-lhes o título de autores do "disco do ano" será excessivo, mas no campeonato dos concertos não andarão longe disso.

A terceira noite do Roots & Routes registou ainda o live set de Barry Linn, mais conhecido como Boxcutter, rapaz-prodígio irlandês cujo álbum "Oneiric" consta também entre os obrigatórios do dubstep. Embora marcada por alguns problemas de som nos primeiros minutos, a actuação logo fez esquecer esse percalço através de uma vitaminada amálgama sonora, expondo consideráveis doses de experimentalismo sem no entanto cair na auto-indulgência.
Enveredando por domínios ambientais e abstractos, Boxcutter ofereceu um caldeidoscópio electrónico de forte carga urbana e nebulosa, que não poderia ser mais apropriado para noites frias e chuvosas. Entre bleeps imaginativos e espontâneos, oscilações constantes no volume do som e texturas algures entre um Aphex Twin e um DJ Shadow, não esquecendo a determinante contribuição do baixo, Linn mostrou engenho e confirmou-se como um nome a seguir.

Também em registo live set, o espanhol Mwëslee trouxe ao festival um interessante combinado de batidas hip-hop condimentadas com sujas doses de electro e noise, e o britânico Geiom gerou uma sessão à base de dubstep funcional e dinâmico, com pontuais explosões rítmicas não muitos distantes do asian underground.
Antes destes, coube aos portugueses Seenistra meets Sallivah e Unidade Sonora prepararem o início da noite, que terminou com a actuação dos Raska Soundsystem e, por fim, com o set de DJ MK.

Mwëslee

Trazendo a Lisboa alguma da mais estimulante música que foi nascendo nos últimos tempos, o festival Roots & Routes apresentou ao vivo nomes que nunca estiveram abaixo da competência, e alguns destes revelaram-se mesmo como sérios casos a revisitar com urgência, seja no palco do MusicBox ou noutro espaço igualmente acolhedor e intimista. E provou que o dubstep é um movimento com uma alta probabilidade de disseminação depois de efectuado o primeiro contacto, o público presente no concerto de Kode 9 & The Spaceape que o diga.

AO RITMO DO HIP-HOP

Depois dos Various Productions terem iniciado o festival da melhor forma na passada quinta-feira, o segundo dia do Roots & Routes apresentou ontem mais motivos de interesse, tanto nacionais como de fora de portas.

Rocky Marsiano foi um desses casos, músico luso-croata que integra os Micro (onde adopta o alter ego D-Mars) ou Double D Force mas que levou ao MusicBox algumas composições de "The Pyramid Sessions", o seu segundo álbum a solo, editado no ano passado.
Motivo para cerca de uma hora onde o hip-hop e o jazz se entrecruzaram numa sessão maioritariamente instrumental, uma vez que as raras vozes presentes eram sampladas. Interessante exercício de cut n' paste, não propriamente inovador mas envolvente q.b., investindo tanto em momentos mais festivos e efusivos como em episódios pontuados por alguma melancolia. T One na guitarra, Jorge Amado no saxofone e o scratching de DJ Ride ajudaram, proporcionando um acolhedor início de noite.

O segundo dia do festival Roots & Routes contou ainda com os DJ sets de Kalaf, Steinski, Daz I Kue e TM Juke, assim como o concerto de Ty e DJ Big Ted. Para hoje, as propostas incluem Seenistra meets Sallivah (20h), Boxcutter (21h), Mwëslee (22h), Geiom (23h), Unidade Sonora (00h), Kode 9 & The Space Ape (1h), Raska Soundsystem (2h30) e DJ MK (4h).