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Ensaio sobre as interligações entre o amor e a morte, a película volta a juntar o realizador a propostas atípicas e arriscadas, centrando-se num romance de um casal que se dilui em três contextos espaciais e temporais diferentes: um na Espanha do século XVI, outro nos EUA dos dias de hoje e um terceiro num plano astral, durante uma época não identificada. Este último será talvez o que mais contribui para que o filme ganhe alguns ódios viscerais ou, pelo menos, olhares de soslaio, uma vez que é o que contém as sequências mais abstractas e de considerável carga simbólica, por vezes resvalando para uma duvidosa fusão de misticismo zen e new age difícil de digerir.
Será, no entanto, injusto ignorar os méritos do filme devido a ocasionais cenas algo pomposas e insufladas, em que Aronofsky se deslumbra com os seus virtuosismos e se arrisca a deixar de fora o espectador. Apesar da notável intensidade plástica que emana de "O Último Capítulo" nem sempre estar ao serviço da narrativa, gera momentos onde este passa de experiência cinematográfica a sensorial, sendo dominado por uma rara e desconcertante energia. A espessura cromática dos tons com variações de dourados potencia imagens de inegável beleza, onde o jovem realizador volta a confirmar-se como um excepcional e imaginativo esteta, criador de um universo fascinante.
Felizmente, o filme não vale só pela sua minúcia visual mas debruça-se numa história de amor épica e absorvente, onde a continuidade da relação de um casal surge ameaçava pelo medo, raiva e obsessão despoletados pela sugestão da morte. O duo protagonista revela uma entrega invulgar, partilhando uma química palpável e dando ao filme uma forte densidade emocional. Rachel Weisz demonstra que a excelente interpretação em "O Fiel Jardineiro" não foi um acaso e volta a compor uma personagem com a qual é difícil não sentir empatia, mas é Hugh Jackman quem mais surpreende, expondo um impressionante romantismo magoado a milhas dos seus mornos desempenhos recentes em "Scoop" ou "O Terceiro Passo".
Clint Mansell, habitual colaborador, volta a encarregar-se da banda-sonora mas afasta-se do drum n' bass de "Pi" e da união de violinos e electrónica de "A Vida não é um Sonho", enveredando antes por sonoridades mais serenas e etéreas onde o piano obtém grande parte do protagonismo. Os Mogwai e o Kronos Quartet também contribuem e o resultado convence, o que não é pouco tendo em conta a importância que a música adquire nos filmes de Aronofsky, sendo muito mais do que um mero adorno da imagem.
"O Último Capítulo" poderá ficar aquém do admirável marco que muitos esperariam (incluindo o realizador), mas tem méritos que compensam plenamente ocasionais escorregões de auto-indulgência e exibicionismo. Afinal, poucos filmes surgidos nos últimos tempos podem orgulhar-se de serem tão desafiantes e de contarem com uma carga poética tão vincada, assim como não serão muitos os novos realizadores que possam consagrar-se já como autores tão peculiares e interessantes como Aronofsky.