O sexo e a cidade
"Shortbus", o seu segundo filme, repisa as mesmas temáticas num contexto diferente, numa Nova Iorque com fortes marcas do 11 de Setembro e com um enfoque não numa perspectiva individual, mas colectiva. Mais uma vez as disfunções físicas encontram-se indissociáveis das emocionais e o sexo é encarado como fonte de muitas das frustrações das personagens, e simultaneamente como tentativa de resolução ou alheamento destas.
O filme segue dois relacionamentos, um hetero e outro homossexual, onde um dos cônjuges é incapaz de resolucionar uma crise interna que já se prolonga há muito. Sofia, terapeuta sexual, receia partilhar ao seu marido que nunca teve um orgasmo, e James sugere ao seu namorado a opção por uma relação a três como forma de injectar nova vida ao seu quotidiano.
As vidas dos protagonistas e das outras personagens - entre as quais uma dominatrix entregue à solidão, um voyeur obcecado pelo casal gay ou um ex-modelo optimista - cruzam-se num clube nocturno underground, Shortbus, onde além de música ao vivo e do convívio regado a álcool há uma visão - e prática - bastante liberal do sexo, aglutinadora de todos os tipos de orientações.
Ainda mais descomplexado e incisivo do que o seu antecessor, muito por culpa das cenas de sexo explícito que não tardam a surgir, "Shortbus" resulta numa obra mais coesa mas que, mesmo assim, não escapa a alguns desequilíbrios. Mitchell tanto aposta, por um lado, na irreverência e provocação, como investe ocasionalmente em episódios poéticos e sensíveis, o que por vezes atira o filme para caminhos indecisos e inconsequentes. Fica assim por esclarecer a pertinência de algumas cenas de sexo ostensivas ou, no pólo oposto, o desenlace redentor que não dispensa rodriguinhos ingénuos e ligeiramente irritantes.
Mitchell sai-se igualmente bem na montagem fluída e numa realização capaz de criar uma atmosfera intimista, e a forma como a cãmara transita entre os espaços, movendo-se por uma Nova Iorque recriada em miniatura, é imaginativa e concede ao filme um peculiar cuidado visual.
O realizador, que é também cantor, volta a privilegiar a música, elemento importante para a definição de ambientes, e aqui envereda não pelo glam rock mas por territórios indie lo-fi, com canções dos Yo La Tengo, Azure Ray, Scott Matthew ou The Hidden Cameras. A interligação com domínios musicais estende-se aos cameos dos Animal Colletive ou de JD Samson, das Le Tigre.
Não impondo ainda John Cameron Mitchell como um nome essencial dentro do cinema recente, "Shortbus" confirma-o já enquanto cineasta com uma linguagem própria, estando uns degraus acima do seu primeiro trabalho e expondo uma sensibilidade mais apurada e menos artificiosa. Um nome a seguir, autor de uma filmografia que começa a entusiasmar.
E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM