Se Neil é irreverente, provocador, arrogante e não hesita em enveredar por rumos sinuosos, Brian é tímido, recatado, responsável e cauteloso, dedicando grande parte do seu dia-a-dia a um
hobby que ameaça tornar-se numa obsessão, uma vez que a sua pesquisa sobre temas relacionados com extra-terrestres deriva do facto de julgar ter sido raptado por estes na infância.
Contudo, à medida que vai acumulando informações, Brian conclui que as respostas que procura poderão estar em Neil, que entretanto partiu da pequena cidade-natal de ambos, no interior, para uma aventura em Nova Iorque onde se dedica à prostituição (actividade que já explorava ocasionalmente e que aí se revela monetariamente mais compensadora).
Drama alicerçado nas fronteiras entre a infância e a adolescência e entre esta e a idade adulta, "Mysterious Skin" não teme incidir em vários temas "difíceis" e "controversos", da pedofilia à homossexualidade passando pela prostituição masculina, e o que mais surpreende é o facto de conseguir abordar todos eles com um invejável equilíbrio entre sensibilidade e complexidade. Ao contrário do que ocorreu no seu trabalho anterior, o curioso mas irregular "Esplendor", aqui Araki atinge uma coesão que torna o filme num objecto cinematográfico superior, onde o estilo não anula a substância, antes a sublinha.
O elenco está longe de incluir uma colecção de nomes muito mediáticos, em compensação emana talento em todas as interpretações. Joseph Gordon-Levitt, o elemento mais novo da série televisiva "Terceiro Calhau a Contar do Sol", apresenta um desempenho irrepreensível, nos antípodas de uma marioneta de
sitcoms, traduzindo de forma verosímil a muralha emocional que protege Neil.
Mantendo a postura circunspecta que já tinha convencido em
"Brick", o aplaudido
thriller indie de Rian Johnson, o actor não só aceitou os riscos de uma personagem tão obscura como se revelou uma aposta mais do que segura para a encarnar. Brady Corbet, ainda que não tão impressionante, evidencia-se também como um credível co-protagonista, e as presenças da igualmente promissora Michelle Trachtenberg ou da bem-regressada (e muito pouco vista) Elisabeth Shue comprovam que Araki é um atento director de actores.
Não menos apurada é a escolha da banda-sonora, com composições instrumentais a cargo de Harold Budd e Robin Guthrie (dos Cocteau Twins) e canções dos
shoegazers Ride, Slowdive ou
Curve (afinal ainda há quem se vá lembrando deles), que não só se adequam ao período temporal onde decorre a maior parte da acção (inícios dos anos 90) como ao ambiente algo etéreo que domina algumas sequências.
Neste aspecto, a realização merece também elogios, edificando uma atmosfera realista que não recusa uma pontual carga onírica, interligando uma crueza por vezes difícil de digerir com cenas de poesia visual sem um grama de presunção. O impacto emocional que daí resulta faz de
"Mysterious Skin" um filme a reter, indo do sinistro ao acolhedor sem falhar no ritmo ou no tom, ainda que nos minutos finais se dispensassem algumas revelações que o argumento já havia sugerido.
Tirando estes escassos minutos, Araki demonstra aqui uma discrição a milhas do habitualmente comparado Larry Clark ("Kids - Miúdos", "Bully - Estranhas Amizades"), que com estes temas provavelmente não conseguiria ser menos do que escabroso, e aposta antes em domínios mais próximos dos de um Michael Cuesta, que no também estimável "L.I.E. - Sem Saída" contornou muitas armadilhas no retrato da pedofilia.
Espera-se que
"Mysterious Skin" seja capaz de contornar uma ainda maior, a de estrear de forma quase incógnita no meio de tantos
blockbusters de Verão, pois tirando os igualmente belos
"Pecados Íntimos", de Todd Field, e
"Half Nelson - Encurralados", de Ryan Fleck, este ano não chegou cá mais nenhum filme deste calibre.
E O VEREDICTO É: 4/5 - MUITO BOM