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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

VAMPIROS COM SANGUE NOVO

O mexicano Guillermo del Toro tem sabido sedimentar um percurso capaz de alternar entre títulos ligados aos estúdios de Hollywood – “Mimic”, “Hellboy” – e produções espanholas de cariz mais autoral – “Nas Costas do Diabo”, “O Labirinto do Fauno” - sem nunca deixar de projectar em cada um deles, de forma mais ou menos pronunciada, um estilo próprio que se vai tornando cada vez mais reconhecível e apurado.

“Blade II” (2002), a sua terceira longa-metragem, não é excepção, pois apesar do realizador dar aqui continuidade a uma saga iniciada por Stephen Norrington (em “Blade”, de 1998), consegue injectar-lhe uma vitalidade, energia e atmosfera que só a espaços se encontravam no primeiro episódio, este pouco mais do que sequências de combate com algumas boas ideias visuais.
A sequela não deixa de viver muito desses dois elementos, mas não só os desenvolve com maior consistência como dá à saga um universo singular e inventivo, redefinindo as histórias de vampiros para o novo milénio, algo a que o seu antecessor almejou sem grandes resultados.
Del Toro constrói aqui uma visão aliciante de um submundo vampiresco nas suas mais diversas variantes, dos puros aos híbridos, cujo equilíbrio é ameaçado quando surge uma raça mais avançada, perigosa, resistente e, sobretudo, com um maior apetite, cuja ementa inclui não só sangue de humanos mas também de vampiros. A rápida propagação desta nova espécie obriga a que tenham que se formar alianças improváveis, no caso entre Blade, caçador de vampiros apesar de conter também genes destes, e os seus inimigos bebedores de sangue, que lhe propõem uma parceria destinada a evitar uma carnificina superior à sua.

Este ponto de partida promete sumarentas (aliás, sanguinolentas) sequências de violência destravada, objectivo que “Blade II” atinge várias vezes e com invejável eficácia, disparando doses cavalares de adrenalina em cenas de acção muito bem coreografadas. É certo que a sua pertinência poderá ser discutível para a narrativa (como aquela em que o protagonista luta com os seus futuros aliados, que invadem o seu armazém), mas se ninguém vier aqui à procura de um filme cujo maior trunfo é o argumento, Del Toro compensa esta descarga ocasionalmente gratuita e mecânica com uma plasticidade que vai da estupenda fotografia de Gabriel Berinstain – determinante para a densidade dos ambientes urbanos, com sedutores azuis metálicos e esverdeados sépia – à carga magnética dos décors, tornando Praga num cenário urbano apropriadamente opressivo, soturno e sinuoso.
A minúcia estética contamina tudo, da sofisticação hi-tech dos gadjets usados pelas personagens ao guarda-roupa, com cabedal e coolness sugados à saga “Matrix” e à imagética techno-industrial (cuja música, intercalada com algum hip-hop, dinamita o filme do início ao fim e atinge o auge na estonteante rave de vampiros).

Além de uma explosiva aula de estilo, “Blade II” é um título que cativa pela boa gestão do suspense, algum terror e humor e até mesmo um amargurado romantismo, que não estando tão presente como os episódios de combate acelerado acrescenta um interessante fulgor dramático (infelizmente, não o suficiente para que as inquietações das personagens sejam tão memoráveis como os ambientes que percorrem, mesmo que a relação de Blade com Nyssa, uma das suas novas aliadas, tenha os seus momentos).

Dominado por hipnóticos borrões de cor, um ritmo alucinante e fartas doses de gore, o filme é uma experiência sensorial tão excessiva quanto divertida, e mais não se poderia pedir a uma adaptação de um (anti-)herói dos comics com estes contornos, sendo de resto uma das mais estimulantes inspiradas no universo Marvel (e também das mais distantes da matriz da BD original, o que aqui só resulta a seu favor). Não será um filme para toda a gente, mas quem for apreciador destas iguarias tem aqui uma bem confeccionada e, claro, condimentada com muito molho.


E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM

SUAVIDADE NÓRDICA

Embora os Röyksopp e os Kings of Convenience tenham sido os principais responsáveis pela difusão da nova pop oriunda de solo norueguês no início da década, coube aos conterrâneos e menos mediáticos Flunk a autoria de alguns dos álbuns mais interessantes aí revelados, caso do registo de estreia, “For Sleepyheads Only” (2002), e do seu sucessor, “Morning Star” (2004).

Assente na voz envolvente e por vezes encantatória de Anja Øyen Vister, a música do grupo percorreu aí domínios reminiscentes do trip-hop, aceitando cruzamentos com a dream pop e com uma escrita de canções herdada da tradição folk, elemento reforçado no segundo disco.

Em “Personal Stereo”, o terceiro álbum de originais, a sonoridade da banda permanece quase intacta, não acolhendo novas influências e evidenciando que, para além da menor carga electrónica que cede agora mais espaço à guitarra acústica, pouco mudou.
A considerável estagnação não leva a que o disco resulte numa desilusão, já que o apelo da maior parte das suas canções é ainda significativo, mas torna-o num registo menos estimulante e diversificado do que os antecessores, mostrando uns Flunk demasiado iguais a si próprios.

Não falta sequer a já habitual versão de um hit dos anos 80, desta vez “See You”, dos Depeche Mode, que é alvo da mesma receita plácida e minimalista que surpreendeu nas releituras de “Blue Monday” e “True Faith”, dos New Order, nos álbuns anteriores, e que aqui é já feita em piloto-automático, caindo no comodismo e mediania de uns Nouvelle Vague.

O recurso a canções de terceiros repete-se no mais apelativo tema-título, cuja letra evoca a de “The One I Love”, dos R.E.M., ainda que integrada numa atmosfera etérea e serena que já se tornou na linguagem de marca dos Flunk. Em “Personal Stereo” o grupo encontra-se mesmo mais apaziguado do que nunca, sendo raros os momentos de aceleração rítmica - o nebuloso e sedutor “Keep On” e o mais luminoso “Two Icicles” são os únicos que se aproximam de domínios minimamente dançáveis.

Com tanto de reluzente como de melancólico, os temas não arrebatam por uma carga criativa notável mas conseguem ser cativantes e contornar quase sempre a monotonia, seja no romantismo enigmático de “If We Kiss”, na agradável canção de embalar “Heavenly”, na hipnótica “Diet of Water and Love” ou no belo momento pop que é “Sit Down”, onde a voz de Anja divide o protagonismo com a de Ulf Nygaard, o programador da banda (a inspiração falha, apesar de tudo, na redundante “Change My Ways”).

“Personal Stereo” não é então daqueles discos que saciará melómanos obcecados pela última novidade, contudo quem procurar um conjunto de canções electroacústicas intimistas e acolhedoras encontra aqui uma proposta consistente de um grupo que, ao contrário de outras referências comparáveis – Zero 7, Imogen Heap, Blue States, Sia ou Thievery Corporation –, continua recomendável e por vezes irresistível.

E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM