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Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

FESTEJOS SEM CERIMÓNIAS

No último concerto da digressão de "Edição Ilimitada", o seu quarto álbum de originais, a anteceder o lançamento de "Matéria Prima", restrospectiva da banda a editar no início de 2008, os Mind da Gap recordaram quinta-feira na Aula Magna momentos das várias fases da sua carreira.

Acolhido por fãs acérrimos, recém-convertidos e alguns curiosos, o trio de Ace, Presto e Serial não demorou muito a lançar ondas de energia pela sala, desafiando o público, incitando-o a dançar e a não permanecer sentado em várias ocasiões. O convite foi sempre correspondido, o que fez com que, embora o recinto estivesse apenas com cerca de metade da lotação, o concerto nunca tenha perdido o ritmo, mantendo um dinamismo regular do início ao fim.


 

Contudo, se não houve momentos mortos, também não foram muitos os memoráveis, em parte devido ao alinhamento, com temas demasiado semelhantes, mas também ao som, que não deixou que as palavras disparadas por Ace e Presto fossem sempre perceptíveis.
Isto não pareceu incomodar a maioria dos que lá estiveram, já que os aplausos foram constantes, os pedidos de músicas também, e o bom-humor dos dois MCs encarregou-se de gerar vários episódios curiosos. Ace foi especialmente mordaz em breves comentários ao cenário político ou ao entretenimento televisivo, conquistando a adesão imediata do público, ao qual dirigiu diversos agradecimentos.

Ao longo de duas horas, o grupo portuense ofereceu um medley com alguns dos seus principais temas, convidou Maze, dos Dealema, para duas colaborações e revisitou os seus quatro álbuns de originais, não esquecendo canções obrigatórias como "Falsos Amigos" ou "Todos Gordos", intercaladas por êxitos mais recentes como "Não Stresses" ou "Tilhas? São Sapatilhas".
O já velhinho "Dedicatória", primeiro single do disco de estreia, "Sem Cerimónias" (que celebra dez anos), foi um dos pontos altos, confirmando-se ainda como um tema essencial do hip-hop feito por cá, e será o cartão de visita da compilação "Matéria Prima".

Com a química entre banda e público a compensar alguma falta de surpresas ou rasgos, a actuação chegou para atestar a boa forma dos Mind da Gap e terá sido uma oportunidade para alguns dos espectadores se terem inciado nos concertos - a julgar pela faixa etária de muitos e pelo facto de outros tantos terem começado a sair antes do encore. Espera-se que hajam outras, tanto para o público como para o grupo.
 


E O VEREDICTO É: 3/5 - BOM


Entrevista aos Mind da Gap

Viagem ao submundo londrino

Depois de "Uma História de Violência" ter assinalado um considerável ponto de viragem na sua filmografia, David Cronenberg mantém essa tendência em "Promessas Perigosas" (Eastern Promises), outra obra longe dos universos alucinantes e bizarros pelos quais se notabilizou tanto numa fase inicial, em títulos como "Scanners" ou "A Mosca", como em anos mais recentes, em "eXistenZ" ou "Spider".


Isto não implica, contudo, que o seu novo filme esteja desprovido de fortes marcas identitárias, uma vez que desde o início que a narrativa mergulha numa atmosfera sinuosa e inquietante, e à medida que se vai desenvolvendo a acção abre espaço para a exploração de temas recorrentes do cineasta canadiano, sejam questões relacionadas com o corpo e as suas alterações, sejam os interstícios mais negros da esfera humana e a forma como a violência regula relações.
 

 

 
A sua busca leva-a a contactar com alguns elementos da máfia russa, já que a jovem que ajudou era vítima de uma rede de prostituição de leste, e a situação complica-se quando o dono de um restaurante que lhe propõe ajuda parece, afinal, ter mais interesse no diário do que o aparente altruísmo inicial sugeria.
O circunspecto motorista deste acaba por ser uma peça essencial no jogo de forças que então se impõe, proporcionando algumas das principais surpresas da narrativa. Cronenberg recorre a um argumento de Steve Knight, o mesmo autor do de "Estranhos de Passagem", filme de Stephen Frears que oferecia outro pungente olhar sobre o submundo londrino, e a precisão milimétrica com que desenha retratos de conflitos ambíguos é um dos trunfos de "Promessas Perigosas". Outro é a fotografia de Peter Suschitzky, que muito contribui para a criação de uma intrigante energia visual, reforçando a aspereza e verosimilhança dos por vezes claustrofóbicos cenários urbanos que aqui são percorridos.

Aliados à segura realização, capaz de servir algumas cenas de antologia - como as dos (literalmente) cortantes momentos iniciais ou de uma sequência de combate num balneário -, estes elementos concedem ao filme um assinalável equilíbrio, felizmente complementado pela apurada direcção de actores.
 
 
 
Viggo Mortensen apresenta aqui um dos seus melhores desempenhos, mais conseguido do que o de "Uma História de Violência", conferindo densidade a uma personagem enigmática e envolvente. Naomi Watts também não desaponta como enfermeira obstinada, ainda que nao se desvie muito do seu registo habitual, Vincent Cassel oscila entre o frágil e o histriónico numa das personagens mais surpreendentes, e o veterano Armin Mueller-Stahl é apropriadamente austero e nebuloso.

Embora invista ainda em temáticas familiares, "Promessas Perigosas" surpreende pelo realismo dos cenários, personagens e situações, e arrisca-se a ser mais perturbante do que outros filmes do realizador, assentes nas fronteiras entre domínios do terror e da ficção científica.
Ambientado nos recantos mais obscuros de Londres, este cruzamento de thriller e drama centra-se numa enfermeira que, após ter ajudado a dar à luz uma bebé cuja mãe adolescente morreu no parto, tenta encontrar a sua família tendo como única pista um diário.


Coeso e absorvente, "Promessas Perigosas" não chega a ser arrebatador devido a um desenlace algo abrupto, fechando demasiado cedo uma história que talvez ganhasse com mais alguns minutos - a personagem de Watts, por exemplo, poderia ter sido mais desenvolvida. Ainda assim, é um filme acima da média e o melhor do cineasta em muitos anos, demonstrando que, não obstante alguns altos e baixos na sua obra, Cronenberg continua a ser um realizador singular e um atento observador do mundo de hoje.

 

 

 


E O VEREDICTO É: 3,5/5 - BOM