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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

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Triângulo amoroso em modo ultra-light

"Seda" (Silk) adapta o livro homónimo de Alessandro Baricco e narra a história de um triângulo amoroso, decorrida entre o Ocidente e o Oriente, na segunda metade do século XIX.

 

O filme segue a viagem de Hervé, um jovem militar francês, que é contratado por um poderoso mercador para comprar ovos de bichos-da-seda numa recôndita aldeia japonesa, uma vez que uma praga dizimou a maioria das criações europeias. É aí que conhece uma misteriosa concubina pela qual vai sentido um crescente fascínio, forçando-o a questionar o amor pela sua esposa, que o aguarda ansiosamente em casa.

 

 

Se à partida esta premissa não anda muito longe da de um romance de cordel, o desenvolvimento de "Seda" confirma essa suspeita, já que o canadiano François Girard (realizador de "O Violino Vermelho") nunca é capaz de lhe conferir grandes doses de criatividade ou espessura emocional, seguindo uma narrativa linear e previsível e nunca mergulhando nas convulsões das personagens.

 

O que podia ser um intrigante olhar sobre as relações humanas dá lugar a uma esquemática sucessão de acontecimentos - basicamente Hervé vai de França ao Japão, depois volta, entretanto regressa lá e volta novamente, colocando em causa os seus interesses amorosos -, onde nunca se percebe o que motiva as personagens, ficando por esclarecer porque é que o protagonista se interessou por aquelas duas mulheres.

 

Girard tenta disfarçar a ausência de tensão ou conflito com um ritmo narcoléptico e uma realização contemplativa, pretensamente etérea e poética, mas estes truques arty apenas reforçam a apatia que o filme emana.

 

 

Admita-se que tecnicamente "Seda" até faz jus ao nome: há por aqui enquadramentos elegantes, uma fotografia cristalina, uma reconstituição histórica que não compromete e até música de Ryuichi Sakamoto, tudo a sedimentar a aura de "filme de prestígio".

Infelizmente, este embrulho bonito vale pouco perante um argumento dramaticamente raso, que até parece afectar os desempenhos de Michael Pitt e Keira Knightley, ambos indiferentes e sorumbáticos, embora inegavelmente fotogénicos. Salva-se Alfred Molina, que sempre consegue dar algum dinamismo às poucas cenas em que entra, o que não chega para fazer desta uma obra recomendável.

 

Falta a "Seda" aquilo que o também recente "Expiação" conseguiu fazer tão bem: transpor um romance de época para cinema sem apostar numa polidez formal que anula as potencialidades dramáticas, investindo antes num arrojo narrativo capaz de dar às personagens a intensidade que estas merecem.

 

Ao contrário de Joe Wright, Girard não sai de um academismo certinho, que mesmo nunca caindo no melodrama funguento também não desperta qualquer curiosidade ou entusiasmo pelo desenvolvimento da acção. O resultado é um objecto tão sóbrio e requintado quanto insípido e dispensável.