Terror em Lisboa
A segunda edição do MOTELx, presente no cinema São Jorge desde quarta-feira, termina hoje com o recomendável "Teeth", de Mitchell Lichtenstein. Entretanto deixo aqui algumas considerações sobre três filmes que vi no festival depois de "Doomsday":
Considerar "Black Water" um "Open Water - Em Águas Profundas" com crocodilos em vez de tubarões fará algum sentido, sobretudo pela sensação desespero e isolamento que ambos transmitem ao colocarem as suas personagens em águas pouco recomendáveis.
Mas o filme de Andrew Traucki e David Nerlich, uma das recentes surpresas australianas, vai muito mais longe na angústia e na gestão do ritmo, contando com um trabalho de realização mais hábil e ganhando ainda com as óptimas interpretações das duas protagonistas, que ajudam a consolidar a tensão e o realismo. Bela primeira obra e um exercício de suspense muito bem arquitectado.
O MOTELx permitiu ao público português conhecer melhor a obra de José Mójica Marins - cuja personagem Zé do Caixão é uma das mais míticas do cinema brasileiro - através da exibição de quatro dos seus filmes. O mais recente, "Encarnação do Demônio", é uma prova da sua idiossincrasia; um misto de terror romântico, tentativas de crítica social (em particular à religião), sadismo e misoginia, tudo envolto num embrulho folcrórico e camp.
Se o protagonista até tem a chama que faz as personagens de culto, tudo o resto é, no seu melhor, apenas curioso, já que pouco mais oferece do que diversificadas sequências de tortura que fariam a saga "Saw" corar de vergonha, temperadas com muita nudez feminina gratuita.
O excesso de mau gosto diverte ocasionalmente, mas a narrativa é tão frágil e esquemática e as interpretações tão pobres que quase se confunde esta terceira parte da saga de Zé do Caixão com um telefilme descartável, não obstante as overdoses gore e as graçolas pitorescas. Não deixa de ser uma obra de autor, embora de cinema tenha muito pouco.
Teen slasher norueguês, "Fritt Vilt" não vem - nem pretende - salvar o subgénero mas é uma proposta com mais inteligência e eficácia do grande parte da concorrência. O filme segue cinco amigos snowbarders que se abrigam num hotel abandonado no meio das montanhas, o único local onde podem tratar do ferimento de um deles, e a boa disposição inicial transforma-se num contacto directo com o medo quando percebem que não estão sozinhos.
Roar Uthaug consegue aqui um filme escorreito, sem o histerismo e personagens irritantes que comprometem títulos comparáveis (sobretudo norte-americanos), e desenha uma narrativa absorvente q.b. ancorada num elenco jovem e convincente. Espera-se que a sequela, com estreia prevista para Outubro, seja capaz de manter estes elementos.