Prova de fogo superada
Dawn Landes não é propriamente uma novata em domínios musicais, mas para muitos ainda será um nome a fixar - sobretudo deste lado do Atlântico, onde só há poucos meses foi editado o seu disco de estreia, "Fireproof", lançado em 2006 nos Estados Unidos.
Originária de Lousiville, no Kentucky, a jovem cantautora mudou-se para Nova-Iorque nos primeiros anos da faculdade e foi aí que alargou o seu percurso musical, colaborando com nomes como Philip Glass, Ryan Adams ou Joseph Arthur antes de fazer avanços em nome próprio, através de EPs onde deixou provas de talento na abordagem à folk, tanto como cantora, compositora e multi-instrumentista.
No seu álbum de estreia recupera alguns temas desses registos que percorreram círculos algo restritos, acrescenta-lhe vários inéditos e dá continuidade à solidez que essas edições já evidenciavam.
Mantendo as raízes folk que a marcaram desde o início, apresenta um disco que sabe relacioná-las com traços do alternative country ou do indie rock, ou mesmo de alguma dream pop que equilibra os episódios de melancolia, gerando um sóbrio conjunto de canções pessoais de tempero agridoce.
Se é verdade que nos últimos anos não têm faltado exemplos de cantautoras que assentam nos mesmos géneros, Landes consegue provar aqui que não é só mais uma e desenha um universo que, não sendo especialmente inovador, tem já o seu espaço, mesmo que à medida que se ouve o álbum surjam eventuais proximidades com territórios de Lori Carson, Laura Veirs ou Suzanne Vega (com quem andou em digressão pela Europa).
Dominado por canções simples que, contudo, não invalidam um considerável cuidado com os arranjos ou a complexidade instrumental (como na percussão em crescendo que se ouve no final de "Kids in a Play"), "Fireproof" emana uma aura introspectiva mas nunca cai no hermetismo ou numa sofreguidão forçada.
Landes narra aqui retratos do quotidiano ou das relações humanas, onde as melodias são tão importantes como as letras e da sua união resultam ora temas de amor dolentes como a belíssima "I'm In Love With the Night", ora tentativas de fuga aos tumultos do dia-a-dia, exploradas em "Tired of This Life" ou "Dig Me a Hole", duas envolventes alianças entre desencanto e esperança.
"I Don't Need No Man" é o tipo de canção que, se criada por uma cantora menos perspicaz, poderia ser confundida com um hino feminista, embora aqui apenas realce o desejo de individualidade, e "Bodyguard" é um curioso relato de uma reacção a um roubo (verídico).
"Kids in a Play" dá a entender que a inseguranças sentidas por crianças e adultos não são muito díspares e "Twilight" propõe uma country onírica, que seguramente fará milagres quando ouvida num campo sob um céu estrelado.
Mais bizarra, "Picture Show" acaba com um raro momento de explosão de guitarras enquanto se debruça na decadência do showbiz - com Landes a cantar de forma algo ébria -, e há ainda espaço para uma surpresa no final do disco, com uma versão tão despojada quanto emotiva de "I Won't Back Down", de Tom Petty, que sugere que a voz de Landes pode apropriar-se de qualquer canção, dada a espontaneidade e entrega que emana.
O tema anterior, "Goodnight Lover", o mais aconchegante e intimista, reforça a sensação que os anteriores já tinham deixado entretanto, e atira "Fireproof" para a lista de belos álbuns que funcionam muito bem enquanto conjuntos de canções de embalar (ou de despertar), com um impacto emocional que vai crescendo aos poucos e um optimismo moderado nada enjoativo. Ou seja, está aqui um dos mais convidativos discos de cabeceira dos últimos tempos.
Dawn Landes - "Bodyguard"
Concerto na La Maroquinerie, em Paris