Fantasmas do quotidiano
Christian Petzold já teve alguns filmes exibidos em Portugal - através do IndieLisboa ou da Mostra de Cinema Alemão -, mas nunca nenhum fora do circuito dos festivais.
O recente "Yella" é o primeiro a estrear em salas nacionais e permite que o realizador, um dos mais aplaudidos dos da Nova Escola de Berlim, possa agora ser descoberto por um público mais alargado.
Mas talvez não muito vasto, ainda assim, uma vez que esta é uma das suas obras mais herméticas, mesmo não estando desprovida de interesse.
A narrativa centra-se na personagem cujo nome dá título ao filme, que sai da casa do pai, numa pequena localidade, rumo a uma cidade onde conseguiu emprego na área financeira.
As atribulações manifestam-se logo desde o início, já que quando aceita boleia do seu obsessivo ex-marido, incapaz de lidar com a separação, acaba por ser vítima de um acidente de automóvel gerado por este.
No entanto, nem o facto do carro ter caído num rio a impede de prosseguir o seu propósito, indo directamente do local do acidente para a estação de comboios - naquele que é um dos primeiros momentos algo inverosímeis dos muitos que o argumento contém.
Terceiro título da trilogia dos fantasmas - sucessor de "Die Innere Sicherheit/ The State I Am In" e "Gespenster/ Ghosts" -, "Yella" não tem relação directa com os antecessores embora partilhe alguns dos seus temas e atmosferas.
Petzold apresenta aqui mais um olhar sobre a solidão e as relações humanas numa sociedade vincada pela disseminação do capitalismo, e se nos dois filmes anteriores incidia sobretudo na vida familiar aqui o maior ênfase é dado à laboral, em particular ao funcionamento de algumas empresas modernas.
As personagens agem geralmente de forma fria e quase automática, características que Petzold acentua através de enquadramentos geométricos e minuciosos, dos tons azuis e cinzentos da maioria dos espaços ou do ritmo paciente mas estranhamente hipnótico da narrativa - onde o domínio do silêncio é apenas interrompido por trechos de "Sonata ao Luar", de Beethoven.
Thriller cerebral e realista contaminado por uma crescente carga etérea, a espaços quase esotérica, "Yella" e o filme da trilogia onde a carga "fantasmagórica" que lhe serve de mote mais se manifesta, tanto nos ambientes como no argumento, em especial nos minutos finais que se arriscam a torná-lo numa obra dificilmente consensual.
O seu minimalismo formal, com uma forte carga contemplativa e clínica, sugere proximidades com os ambientes de Michelangelo Antonioni, Michael Haneke, Aki Kaurismaki ou Wim Wenders, comparações que em nada comprometem o peculiar olhar de cineasta que Petzold já sedimentou ao longo de uma dezena de filmes.
Destes, "Yella" é mesmo um dos mais premiados, com as distinções a dividirem-se entre o realizador e a actriz que encarna a protagonista, uma circunspecta e enigmática Nina Hoss (premiada com o Urso de Prata no Festival de Berlim, por exemplo).
A sua interpretação, justamente elogiada, compensa a monotonia que Petzold não é capaz de afastar em algumas sequências, bem como os desequilíbrios de um argumento nem sempre inteligível. E torna Yella numa das personagens mais intrigantes que poderão ver-se no grande ecrã em 2008, mesmo que o filme não seja tão memorável.