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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

A magia da primeira vez

Duas vozes, uma base instrumental gravada e um ecrã ao fundo do palco, aliados a uma incessante e convincente descarga de energia, foram elementos mais do que suficientes para Jona Bechtolt e Claire L. Evans assinarem uma estreia bem-sucedida em palcos nacionais.

 

A sala da Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, acolheu sexta-feira a dupla conhecida como YACHT, projecto que começou por ser, no início da década, uma experiência a solo de Bechtold (membro dos The Blow e colaborador de Mirah ou Devendra Banhart), e que após o terceiro disco, "I Believe in You. Your Magic is Real." (2007), passou a integrar também um elemento feminino.

 

 

Se aos primeiros minutos a actuação suscitou alguma desconfiança, sobretudo pelo facto de nenhum dos membros do duo tocar qualquer instrumento, essa rapidamente foi demovida quando o notável empenho e carisma de ambos, enquanto entertainers, fez esquecer que a noite não permitiria avaliar a sua competência como músicos.

 

Ao longo de 60 minutos de adrenalina invejável, percebeu-se porque é que James Murphy (mentor dos LCD Soundsystem) acolheu os YACHT na sua editora este ano, já que o concerto proporcionou um disparo de hedonismo descomplexado ancorado em canções orgulhosamente pop - ainda que com óbvia herança indie e gosto por uma postura fusionista, onde cabem traços do hip-hop, electro ou punk.

 

 

Sempre irriquieta tanto no palco como fora dele - cantou e dançou no meio do público em várias ocasiões -, a dupla esforçou-se por impor um ambiente festivo sem pontos mortos, assente nos gestos e poses (em particular de Bechtold) que acompanharam o ritmo dos temas ou nos comentários que os intercalaram.

Foi o caso de uma rápida e inesperada apresentação da sua casa, em Portland, através de imagens projectadas no ecrã via Google Earth, ou da proposta de uma sessão de perguntas e respostas onde louvaram os seus méritos de conselheiros emocionais.

 

Mais irresistíveis do que estes regulares episódios espirituosos, canções como "Don't Stay in Bed" (delicioso momento electropop), "Summer Song" (uma das mais recentes e de clara linhagem DFA, sobretudo de Juan Maclean) ou "See a Penny (Pick It Up)" (numa versão remisturada e acelerada) garantiram que grande parte das poucas dezenas de espectadores aderisse à pulsão dançável incitada pelo duo.

 

 

No encore, o nível de descompresssão atingiu o pico de intensidade com "Women of the World", fulminante devaneio servido após Bechtold perguntar "Gostam de grunge?". E quando o público respondeu afirmativamente, o cantor saltou do palco onde gritou ate à exaustão "Women of the World, take over/ If you don't, the world will come to an end", letra que uma banda riot grrrl não desdenharia e cuja atitude se reflectiu numa explosão com direito a headbanging viral.

No extremo oposto, "Your Magic is Real" fechou o concerto em tons de pop almofadada e luminosa, que apesar de menos vertiginosa funcionou como um bonito final para uma estreia estimulante.

 

Mesmo assim a noite não parou por aqui, uma vez que a falta de mais canções previstas para o espectáculo não impediu que a dupla se mantivesse em palco, presenteando os espectadores mais resistentes com um DJ set improvisado.

Entre hip-hop texano (!) e electrónica hipnótica, a festa prolongou-se até às duas da manhã, hora a que teve de terminar embora quer os YACHT quer o público estivessem dispostos a prolongá-la.

Nada que não possa resolver-se num regresso do duo a Portugal, que depois de uma primeira impressão como esta é quase obrigatório - tanto que a forte carga lúdica quase fez esquecer que o concerto foi pouco mais do que um karaoke.

 

 

Antes, a música na ZDB começou com outro duo masculino e feminino, os portuneses Calhau, e o cenário não podia ter sido mais contrastante. A provar que a opção pelo experimentalismo e pela diferença nem sempre gera resultados interessantes, o projecto aposta num imaginário rural evidente nas letras, na forma de cantar da vocalista ou nos ruídos de sons de animais que integram algumas canções.

Mas esta combinação seria mais entusiasmante se não caísse em temas repetitivos e herméticos, capazes de ir da monotonia à irritação quando alicerçados em malabarismos vocais com tendência para os agudos ou, ainda dentro da estranheza pela estranheza, quando usam um balão como instrumento musical (mais concretamente como um instrumento de cordas, ideia curiosa caso durasse apenas alguns segundos).

 

A actuação, menos consensual do que a que se seguiu, embora intrigante, convenceu parte dos espectadores - a julgar por alguns (tímidos) aplausos - mas afastou muitos outros, que regressariam do bar após quarenta minutos para o mais convidativo concerto-festa que fechou a noite.

 

 

Fotos: gonn1000 e MrZebra

 

 

YACHT - "Psychic City (Live)"

 

Music for a rainy day

 

Embora "Deserter's Songs" (1998) seja para muitos o pico da criatividade dos Mercury Rev, o trio norte-americano não tem deixado de criar discos que justifiquem atenção, casos de "All is Dream" (2001) ou "The Secret Migration" (2005), bons exemplos de continuidade de uma pop sinfónica, elegante e introspectiva.

 

Este ano, o grupo editou dois novos discos, "Snowflake Midnight" e "Strange Attractor" (este totalmente instrumental e disponível para download gratuito no site da banda), que deverão ter grande parte do protagonismo do concerto desta noite, na Aula Magna, em Lisboa.

 

Se estiver, pelo menos, ao nível da actuação no Centro Cultural de Belém, há três anos, valerá a pena aparecer por lá a partir das 22 horas.

 

 

Mercury Rev - "Goddess on a Hiway"

 

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