A rapariga morta
"Hey Nostradamus!", o oitavo livro de Douglas Coupland, reincide em temas que passam por todas as suas obras - a família, a solidão, a fé/espiritualidade ou a morte voltam a ser pontos-chave da narrativa.
Mas raras vezes o autor de "Geração X" terá gerado um retrato tão tridimensional, maduro e homogéneo como este, partindo de uma situação mais trágica e crítica do que a de títulos anteriores - o massacre (fictício) num liceu de Vancouver organizado por três estudantes (com contornos comparáveis ao de Columbine, em 1999, ocorrido quatro anos antes da edição do livro).
Mais do que o massacre em si, a Coupland interessa explorar a relação com a perda, sobretudo quando esta surge de eventos tão inesperados e dramáticos.
E assim segue, ao longo de mais de uma década (entre 1988 e 2003), as ramificações que esse evento fatídico tem no quotidiano de várias personagens.
"Hey Nostradamus!" é narrado por quatro destas, arrancando com Cheryl, girl next door que se conta entre as vítimas (e recapitula o massacre depois de morta); Jason, o rapaz circunspecto com quem Cheryl estava secretamente casada e que nunca consegue aceitar a sua morte; Heather, a estenógrafa obstinada que devolve o amor à vida de Jason, anos depois; e Reg, o inflexível pai de Jason, cuja visão distorcida de Deus acaba por afastá-lo da família.
Como é habitual, Coupland mostra-se impecável na construção de personagens, que aqui surgem valorizadas por uma narrativa coesa - e imune a epifanias e outras situações forçadas presentes em "Coma Profundo" ou "Inforescravos".
E embora a tragédia funcione como mote e seja indissociável do que se segue, "Hey Nostradamus!" não fica refém deste cenário e consegue mostrar-se caloroso (nas cenas que envolvem o casamento adolescente ou nos bonecos imaginários de Heather e Jason), enigmático (no episódio de Jason na floresta ou na participação da vidente) ou angustiaste (quando Heather enfrenta a sua solidão, com considerações de uma crueza emocional assustadora).
Coupland mergulha no abismo mas, como sempre, lá consegue encontrar alguma esperança que o devolva à superfície. E como aqui revela um difícil equilíbrio entre ambas as situações, este resulta num dos seus livros mais aconselháveis.