Almodóvar em carne viva
Um Almodóvar clínico e cerebral? É verdade. Sem as rejeitar por completo, "A Pele Onde Eu Vivo" foge quase sempre à comédia descabelada e provocadora que marcou a primeira fase do cineasta, assim como à maturidade emocional dos seus filmes mais recentes (já o equilíbrio formal mantém-se intocável). E no entanto, este filme teria sido impossível - ou pelo menos muito diferente - sem que o cineasta espanhol tivesse experimentado esses territórios.
No seu regresso ao universo almodovariano (20 anos depois de "Ata-me!"), Antonio Banderas joga contra a sua imagem de marca na pele de um cirurgião plástico obsessivo e circunspecto, motor de uma narrativa rocambolesca, negra e inesperadamente demente (levando mais além a frieza noir de "Má Educação", aqui embebida num cenário algo devedor do terror clássico).
Mas se a pele é nova, o que a habita ainda são os temas indissociáveis da obra de Almodóvar - da vingança à morte, passando pela sexualidade, identidade ou desejo, o que move as personagens acaba por ser reconhecível.
Claro que, dadas as consideráveis zonas de sombra e a estranheza de alguns ambientes, este não será dos filmes mais consensuais do seu autor. Ao contrário de um "Tudo Sobre a Minha Mãe" ou de um "Voltar", este regresso dificilmente derrete corações. Em contrapartida, também não há muitos filmes que se cravam na pele desta maneira.