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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Fundo de catálogo (89): Depeche Mode

 

O "problema" de grupos como os Depeche Mode, donos de uma das discografias mais longas e irrepreensíveis das últimas décadas, é que na altura de convocar os seus pontos altos há dois ou três álbuns que acabam por se destacar com maior insistência: "Violator" (1990), quase sempre a primeira escolha (e ponto de viragem inegável), será o disco mais consensual, e logo atrás costumamos encontrar os dois ou três antecessores imediatos, "Music for the Masses" (1987), "Black Celebration" (1986), por vezes "Some Great Reward" (1984).

 

Claro que foi nestes discos que a banda de "Enjoy the Silence" melhor sedimentou e levou mais além a sua linguagem, aliando o aplauso crítico e comercial, mas o que nos deixaram antes da chegada à maturidade, se não gerou alinhamentos tão consistentes, também não foi pobre em momentos de génio (nem parte do que deixaram depois, aliás, especialmente no tão esquecido "Ultra", de 1997, brilhante do início ao fim).

 

O trio que inaugurou a discografia do grupo - "Speak & Spell" (1981), "A Broken Frame" (1982) e "Construction Time Again" (1983) -, habitualmente apontado como resultado da fase mais imberbe (associada a relatos boy meets girl com melodias ligeiras e condizer), revela várias qualidades escondidas debaixo dessa capa de ingenuidade. Além de serem, na altura, uma banda prolífica como poucas - quatro discos em quatro anos é obra, sobretudo quando são bons -, os Depeche Mode mostravam já um talento invulgar para canções acessíveis e trauteáveis, sim, mas não tão levezinhas como o seu look dava a entender (por muito que o equívoco fosse compreensível, a julgar por imagens promocionais como a deste post).

 

Por cada "Just Can't Get Enough" encontramos, nesses álbuns, duas ou três faixas menos luminosas, que já iam dizendo que o grupo de Essex não iria ficar-se por aí. Até porque nem foi por aí que começou, como o comprova a mais intrigante "Photographic", a primeira canção editada pelos Depeche Mode, na compilação "Some Bizarre Album", em 1981 - que incluía também temas de revelações como os Soft Cell, The The, Blacmange e outras que foram ficando pelo caminho. Cartão de visita impecável, marcou a estreia do grupo na busca da canção synth pop perfeita e contou com duas versões: a que integrou a compilação e a que surgiu, ainda no mesmo ano, no alinhamento de "Speak & Spell" (o único disco da banda assinado por Vince Clarke, antes de o compositor sair para formar os Yazoo e os Erasure). Como é difícil escolher a melhor, recuperam-se as duas abaixo, juntando-lhes uma versão ao vivo, na BBC, que regista uma das primeiras actuações televisivas dos Depeche Mode (mais uma vez, o look engana):

 

Polícias com lei

 

"Fim de Turno" não diz, na essência, nada que não tenha sido já dito em vários filmes e, sobretudo, séries centrados no quotidiano dos polícias. Ainda assim, isso não é motivo para deixarmos a terceira experiência de David Ayer na realização passar ao lado, não só porque o norte-americano está à vontade no território que pisa - cresceu na zona problemática de Los Angeles que é cenário do filme, escreveu policiais como "Dia de Treino" ou "Azul Escuro" -, mas também porque tem, em Jake Gyllehaal e Michael Peña, uma das duplas mais memoráveis que passaram pelo grande ecrã este ano.

 

Com uma química capaz de imprimir espontaneidade a situações por vezes rotineiras, o duo protagonista dá aos seus polícias um entusiasmo adolescente que prende logo aos primeiros minutos, catalisa uma dose generosa de cenas dominadas por uma adrenalina que Ayer sabe trabalhar (tirando partido do formato "found footage" sem se deixar deslumbrar pelas suas potencialidades) e injecta um capital de simpatia muito acima da média num buddy movie/bromance mais cru do que o habitual.

 

Por outro lado, ao não mergulhar no cinismo de outros retratos dos bastidores da polícia, "Fim de Turno" não será um filme difícil de atacar, embora Ayer também não chegue a render-se a uma abordagem tão edificante como algumas cenas sugerem. O pior é mesmo a galeria de antagonistas, elementos de um cartel de droga desenhados a traço grosso, ou um final não muito difícil de descortinar com alguma antecedência. Mas essa relativa previsibilidade dos últimos minutos até se desculpa facilmente: além de ser servida com uma tensão asfixiante, a vincar a sintonia entre actores e realizador, guarda um epílogo que compensa a mudança de tom algo abrupta, recordando o melhor que o filme tem. E "Fim de Turno" tem mais do que o suficiente para nos fazer prender os olhos ao grande ecrã - e o coração às mãos - em grande parte das suas sequências...