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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Armadilha em Banguecoque

 

Protagonista taciturno, violência estilizada, diálogos telegráficos, fotografia e enquadramentos de se lhes tirar o chapéu e uma história de vingança(s). Vimos tudo isto em "Drive - Risco Duplo" e voltamos a ver em "Só Deus Perdoa", nova colaboração entre Nicolas Winding Refn e Ryan Gosling que salta agora de Los Angeles para Bangecoque, deixa para trás o carro e o casaco (talvez ainda mais icónico) do anti-herói do filme anterior e atira-se a outro ajuste de contas, desta vez familiar, feito com muito sangue derramado (e sem a banda sonora de electropop agridoce para ajudar a sarar as feridas).

 

A atmosfera da capital tailandesa captada pelo realizador dinamarquês, tão hipnótica como sorumbática, tem flashes e sombras que podem sugerir Wong Kar-Wai ou David Lynch (embora as influências assumidas até sejam Gaspar Noé ou Alejandro Jodorowsky, a quem o filme é dedicado), mas como o título anterior já dava a entender, Refn mostra-se um esteta com méritos próprios. Mostra tanto, aliás, que "Só Deus Perdoa" é uma obra visualmente (ainda) mais ostensiva do que "Drive - Risco Duplo", incapaz de deixar qualquer pormenor - da iluminação aos movimentos de câmara (ou falta deles) - ao acaso.

 

Infelizmente, o rigor formal do realizador não tem equivalência, nem sequer grande aproximação, na sua costela de contador de histórias. Passado o fogo de vista da primeira metade - sugestivo como poucos filmes dos últimos tempos -, "Só Deus Perdoa" nunca consegue ir além de um banal thriller de vingança tão frouxo na vertente policial como nos momentos de introspecção. Não ajuda que Rosling pareça uma caricatura do protagonista do filme anterior, deliberadamente inexpressiva e sem um fogacho de tensão que atenue a indiferença que o filme deixa. Tão ou mais unidimensional, Kristin Scott Thomas é pelo menos desconcertante na pele de mãe-galinha vamp, desbocada e manipuladora - e ao contrário do protagonista, consegue surpreender numa personagem em que dificilmente a imaginaríamos.

 

Não se perde tudo, é certo, e enquanto experiência sensorial "Só Deus Perdoa" até terá pouca concorrência em cartaz, mas não é fácil perdoar Refn por desperdiçar um embrulho tão ofuscante com um recheio tão insípido...

 

 

O sol nasce sempre

 

Quando editou o primeiro álbum, em 2007, James Chapman, AKA Maps, não demorou muito a ser recebido como (mais uma) nova sensação brit, sobretudo dentro de portas. O entusiasmo chegou a colocar "We Can Create" na lista de nomeados para o Mercury Prize (perderia para a estreia dos Klaxons), mas foi tão exagerado como o desinteresse quase consensual pelo seu sucessor, "Turning the Mind", de 2009.

 

Quatro anos depois, "Vicissitude" arrisca-se a ter o mesmo destino que o disco anterior, sobretudo quando, no departamento electrónico, revisitações à dream pop ou ou a ecos do shoegaze (versão polida e cristalina) encorajam menos hypes do que variações dubstep, R&B ou deep house.

 

Se o contexto de hoje é outro, a música de Maps pouco mudou. Continua a dever alguma coisa ao também esquecido Maximillian Hecker, aos longínquos Chapterhouse ou ao mais hermético Ulrich Schauss e a apostar em texturas etéreas e na voz sussurrante de Chapman. Ou seja, "Vicissitude" é mais uma entrada para a prateleira de discos bonitos, impondo-se em duas ou três canções adoráveis e fazendo por agradar, sem grandes sobressaltos, num alinhamento tão desigual como os dos álbuns antecessores. Mas quem aderiu a esses não dará o tempo por perdido e o arranque com "A.M.A.", o primeiro single, é um belo convite para o universo uplifting de Maps. O videoclip propõe uma viagem que nasce das sombras e encontra a luz, talvez o alicerce mais determinante do álbum: