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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Regresso old school

 

Com o EP de estreia, "In Search of Manny" (1992), as Luscious Jackson inauguraram, e muito bem, a Grand Royal, editora dos Beastie Boys entretanto falida. Já no final dos anos 90, no delicioso terceiro álbum (o título, "Electric Honey", não engana), deram por terminado um percurso tão esquecido como proveitoso, que começou pelo hip-hop de ambientes nova-iorquinos e não demorou muito a saltitar entre o funk ou a pop electrónica - sempre com uma coolness à prova de bala, parte considerável do seu apelo.

 

De então para cá, Gabby Glaser, Jill Cunniff e Kate Schellenbach foram mães e editaram discos a solo, mas um reencontro em 2011 deixou no ar a hipótese de um novo álbum. "Magic Hour", agora sem editora e nascido do crowdfunding, chega no início de Novembro e já tinha como cartão de visita "Are You Ready?", revelado no ano passado. Tanto no groove como nas harmonias vocais, era uma canção com a assinatura inegável das suas autoras e o mesmo pode dizer-se de "Show Us What You Got", um novo inédito que fica para ouvir no videoclip abaixo. Ambos poderiam ter feito parte de "Natural Ingredients" (1994), o primeiro álbum das Luscious Jackson (enfim, versos como "If your screen is your disease/ Turn it off and join us, please" talvez não tanto) e a banda admite que a intenção é voltar a esses tempos iniciais.

 

A julgar por estas amostras, um "Natural Ingredients II" não será propriamente mau mas quase 15 anos de espera pediam mais do que canções requentadas, embora simpáticas (sobretudo quando vindas de um grupo que nunca se repetiu de disco para disco). Só para contrariar, já se pode ouvir um terceiro inédito, o mais denso "So Rock On", que traz finalmente algum sabor a novidade - ao cruzar batidas dubstep e cordas -, por isso é legítimo contar com outras surpresas no alinhamento. Enquanto não chega o dia da tal "Magic Hour", ficam aqui mais quatro videoclips além do novo, regressos ao EP e aos três álbuns (todos diferentes, todos aconselháveis):

 

 

Fome

Um dos filmes-sensação do novo cinema grego, aplaudido em festivais internacionais (como no Queer Lisboa, há poucos dias) e pré-nomeado para Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, "Boy Eating the Bird’s Food" ganha, quase inevitavelmente, uma ressonância mais forte e angustiante pelas suas origens. Numa altura em que a crise económica europeia tem na Grécia uma das suas principais vítimas, a história de um rapaz de Atenas obrigado a lidar com o desemprego, a consequente falta de rendimentos e, em última instância, a fome, perfila-se como símbolo exemplar da austeridade e precariedade levadas ao extremo.

E no entanto, esta primeira longa-metragem de Ektoras Lygizos, inspirada no livro "Hunger" (1890), de Knut Hamsun, consegue manter, tal como o seu protagonista, uma dignidade capaz de desfazer qualquer sugestão de oportunismo. O que poderia resumir-se a uma acumulação de desgraças e tristes coincidências - o rapaz do título está longe da família, fica desalojado, lida de perto com a morte e acaba por ter de comer a alpista do seu canário, que nunca abandona -, esquiva-se ao choque pelo choque de um retrato grotesco, histérico ou miserabilista.

Se alguns realizadores fariam desta narrativa uma via sacra implacável (Lars von Trier ou Larry Clark esfregariam as mãos, provavelmente), Lygizos segue o seu protagonista de forma seca, dura e desconfortável, sim, mas não o trata como mera marioneta vítima das circunstâncias.

A lição de realização do realizador grego - com uma câmara à mão sempre colada à personagem principal, fluidez na gestão de elipses e aposta feliz na lógica "menos é mais" - está em perfeita sintonia com a interpretação de Yiannis Papadopoulos, credível na progressiva debilitação física e psicológica, encarnando mais uma figura tridimensional - simultaneamente vulnerável e obstinada, enigmática q.b. - do que um mártir dos tempos modernos. A energia e intensidade desta parceria faz de "Boy Eating the Bird’s Food" uma primeira obra transgressora como poucas (e não só por ter uma sequência explícita de masturbação com remate eventualmente mais controverso), embora nada forçada, tão demolidora na abordagem à pobreza envergonhada como no cinema em estado bruto que a acompanha.

3,5/5

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