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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Sozinhos em casa

 

Quando parte do cinema independente norte-americano recente é tão formatado como os blockbusters mais rotineiros ou os filmes "de prestígio" mais assépticos, surpresas como "Temporário 12" mostram que ainda há realizadores que vale a pena descobrir. Destin Cretton, a assinar aqui a sua segunda (e mais aplaudida) longa-metragem, inspirada numa curta homónima de 2008, traz algum sangue novo sem tentar grandes feitos mas dando conta de uma segurança e intensidade nada despiciendas.

Cretton escreve - e filma - sobre aquilo que conhece: o dia-a-dia de um centro de acolhimento para adolescentes que estariam entregues a si próprios se não fosse o altruísmo e dedicação de monitores um pouco mais velhos, também eles com os seus fantasmas pessoais. O realizador e argumentista foi um destes últimos e a experiência terá ajudado para que o microcosmos surja tão palpável.
Desde os primeiros minutos, é difícil não acreditar nestes ambientes e até o recurso à câmara à mão, longe de original e noutros casos gratuito, faz todo o sentido para a  história que aqui se conta. E Cretton parece ser, sobretudo, um contador de histórias, mais do que um esteta indie idiossincrático, ambição muito bem defendida tanto pela dinâmica entre as personagens como pelas interpretações de um elenco de desconhecidos (o desempenho da protagonista, Brie Larson, tem sido merecidamente elogiado, mas nenhum actor falha a nota).

Se o realizador gosta de contar histórias, as personagens seguem-lhe o exemplo: algumas das melhores cenas partem de relatos ora espirituosos ora angustiantes, sejam as envolventes conversas ligeiras do início e do final ou testemunhos íntimos disparados numa canção de hip hop catárquica e num conto infantil devastador.

Tão longe de uma vertente didáctica como de uma atmosfera de depressão interminável, "Temporário 12" só quebra parte da verosimilhança quase no final. Cretton, não querendo deixar pontas soltas, impõe aí uma estrutura narrativa menos livre do que parecia à partida e trava algum impacto emocional, mas nunca chega a trair as personagens. E é pelo olhar que tem sobre elas, cúmplice e urgente como poucos, que deixa aqui um dos filmes mais promissores dos últimos tempos.

 

 

 

Boys meet boys

 

Uma série sobre três amigos gay de São Francisco pode parecer, à partida, terreno fértil para uma colheita de clichés, mas "Looking" tem logo alguns elementos a seu favor. A chancela da HBO não será 100% segura, embora inspire alguma confiança. Já o nome de Andrew Haigh na ficha técnica aumenta a curiosidade, sobretudo quando o britânico acumula funções de realizador, argumentista e produtor executivo (partilhadas com terceiros) do formato criado por Michael Lannan, que repesca aqui personagens da sua curta-metragem "Lorimer".

Afinal, foi da câmara e da escrita de Haigh que surgiu "Weekend", um dos melhores filmes sobre relacionamentos - gay ou não - dos últimos anos, e o primeiro episódio de "Looking" deve bastante à sensibilidade e estética dessa obra. Não se afasta de todos os lugares-comuns e as personagens não são, para já, totalmente imunes a estereótipos, mas a jornada de um jovem e tímido designer de videojogos, de um assistente de artista e do seu companheiro e de um empregado de mesa mais velho arranca com doses equilibradas de empatia, perspicácia e espontaneidade - e com uma realização tão à flor da pele como a desse filme.

Haigh tem rejeitado o rótulo fácil de que a série será uma versão gay de "Girls", outra aposta forte da HBO talvez demasiado hipster e trendy para o seu próprio bem. E por agora, "Looking" é mesmo muito menos cáustica e cínica do que a criação de Lena Dunham, optando por um tom mais doce, precisamente o que o realizador diz querer seguir ao longo destes oito episódios. A autenticidade das ligações entre as personagens, assente numa atenção às pequenas situações do quotidiano - em detrimento de grandes dramas de outras ficções LGBT, da sida ao coming out - é a principal meta do britânico. O sexo não deixa, claro, de estar presente (logo desde a primeira cena, certeira na caracterização do protagonista), mas pela amostra dispensa sequências titilantes na linha de "Queer as Folk" ou "A Letra L". A linguagem de Haigh é outra e "Looking" permite-nos ver até onde poderá ir. Talvez nem dê em relacionamento sério, mas promete mais do que um one night stand...

 

 

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