Grandes esperanças
Se as aventuras dos X-Men deixaram uma das cronologias mais intrincadas, para não dizer confusas, da banda desenhada de super-heróis, "X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido" vem confirmar de vez que as adaptações cinematográficas estão à altura desse novelo mutante. O novo filme da equipa criada por Charles Xavier tanto funciona como sequela da prequela "X-Men: O Início" (2011) como nova prequela, e simultaneamente sequela (!), da trilogia original. Demasiado complicado? Não tanto como pode parecer à partida, cortesia de um golpe narrativo habilidoso de Bryan Singer, aqui bem regressado ao universo X depois de "X-Men 2" (2003).
Claro que toda esta ambição implica que os espectadores tenham algum conhecimento - quanto mais, melhor - dos filmes da saga, ou correm sérios riscos de ficar tão desnorteados como Wolverine, que aqui viaja de um futuro distópico (literalmente negro) para os mais luminosos anos 70 (a contextualização histórica é um dos trunfos, tal como no episódio anterior) de forma a evitar a maior ameaça à sobrevivência não só dos mutantes, mas de toda a humanidade.
Esta adaptação da história homónima criada por Chris Claremont, John Byrne e Terry Austin em inícios da década de 80, de longe uma das mais visionárias dos X-Men (a saga do Exterminador Implacável e inúmeras derivações que o digam) não tem, e dificilmente poderia ter, o impacto da matriz da BD. Mas Singer consegue não só respeitar essa base como ajustá-la à série que criou no grande ecrã, com o desenlace, em especial, a ir muito além do mero decalque aplicado. Talvez até vá demasiado longe, dando ao realizador o papel de costureiro com a tarefa de remendar algumas opções fulcrais da saga. Ainda assim, a desconfiança dilui-se quando a viagem se mostra compensatória ao conjugar esse sentido de oportunidade com um evidente investimento nas personagens, decisivo para que estes jogos temporais não sejam inócuos.
Sem contar com o efeito novidade dos primeiros filmes nem com a sensação de deslumbramento de "X-Men: O Início", que trouxe outro fôlego às adaptações, "X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido" volta a tirar partido, como esse antecessor, da ligação entre as versões jovens de Xavier, Magneto e Mística, agora também com Wolverine a fazer a ponte entre futuro e passado (na versão da BD este papel cabia a Kitty Pryde e por muito que alguns fãs se indignem, a opção pela personagem de Hugh Jackman fará mais sentido nesta altura do campeonato cinematográfico).
O mentor dos X-Men é alvo de especial atenção, mas se James McAvoy é credível ao atirar Xavier para zonas de sombra até aqui pouco exploradas, nunca se aproxima da excelência que o olhar sobre Magneto (com um não menos excelente Michael Fassbender) conseguia atingir no episódio anterior. Mais estratégica para a acção, Jennifer Lawrence volta a destacar-se na(s) pele(s) de uma Mística apropriadamente ambígua, cuja alma é disputada até ao final do filme.
O preço a pagar pelo peso dramático nascido destes quatro protagonistas é o subaproveitamento de muitos secundários - ou nem isso, já que algumas presenças são pouco mais do que cameos. A limitação não é novidade na saga, embora os fãs provavelmente não se importem com as muitas piscadelas de olho nem com a oportunidade de ver um herói menos popular em acção, ainda que por pouco tempo. Singer sabe, aliás, dosear as cenas dominadas por efeitos especiais, dispensando delírios exibicionistas e optando por uma elegância ainda capaz de impressionar. É pena que não dispense também tentativas de humor que dizimam a tensão de alguns momentos (as muito comentadas sequências com Mercúrio são escorreitas, inventivas, têm a sua graça, mas parecem pertencer a outro filme), tão frustrantes como pontuais overdoses de sentimentalismo (um dos episódios centrais da transição de Xavier, por exemplo, pedia outra subtileza).
Não sendo perfeito - e não aproveitando tão bem a realidade futurista como o título pode dar a entender -, "X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido" mostra que ainda há esperança para blockbusters de super-heróis em geral e dos mutantes em particular. O sétimo filme da saga mantém o nível médio acima da concorrência (esqueçamos a primeira aventura a solo de Wolverine) e abre a porta, como nenhum dos anteriores, a novas abordagens à metáfora contra a intolerância e a segregação. A coexistência pacífica pode ser utópica, mas a tentativa de lá chegar continua a acompanhar-se com entusiasmo.