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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Os tribalistas

 

E se os Ladytron sambassem? O novo projecto de um dos elementos da banda não dá propriamente a resposta, mas faz a aproximação possível. Depois de produzir o disco de estreia a solo da colega Helen Marnie, no ano passado, Daniel Hunt tem andado ocupado com Tamoios, aventura paralela ao lado dos brasileiros Luisa Maita e Fernando Rischbieter.

 

A morar em São Paulo desde 2012, o multi-instrumentista britânico promete um álbum entre a pop electrónica através da qual se distinguiu e influências tropicais, uma novidade no seu percurso - por muito que os ambientes dos Ladytron tenham mudado ao longo de cinco discos. A viragem sul-americana começa logo pelo nome do projecto, que designava uma tribo indígena do litoral brasileiro, e mantém-se num primeiro single com percussão tribal moderada e voz feminina lânguida, a abrir caminho para um longa-duração no Outono. Soa mais aos Brazilian Girls do que aos Ladytron, mas soa bem.

 

A aproximação ao Brasil em geral e a São Paulo em particular sai reforçada no videoclip de "Alto lá", que tem como cenário o Memorial da América Latina, um dos marcos arquitectónicos da cidade, da autoria de Oscar Niemeyer - embora as imagens até vivam mais da(s) figura(s) da vocalista, quase sempre em contraluz:

 

 

 

O paraíso, nunca (?)

A discrição da estreia de "OMAR" é inversamente proporcional ao tempo de antena dos temas abordados pelo filme nos noticiários, sobretudo nos últimos dias - e pelos motivos menos felizes. E é pena, porque se é verdade que também passam por aqui situações marcadas pelo conflito israelo-palestiniano, nem todas são as que vemos noutros ecrãs, ou pelo menos não as vemos apresentadas desta forma.

Tal como no poderoso e justamente premiado "O Paraíso, Agora!" (2005), o olhar de Hany Abu-Assad volta a fazer a diferença num retrato ambivalente e à prova de simplismos, não necessariamente neutro, nem tentando sê-lo tanto quanto esse antecessor, mas sempre ponderado, adulto, sério sem ser sisudo, urgente sem cair em histerias ou rodriguinhos - e talvez por isso tenha sido nomeado para Óscar de Melhor Filme Estrangeiro ou distinguido em Cannes, nada mal para o primeiro filme feito quase só com investimento palestiniano.

Depois de relatar as experiências de dois bombistas suicidas com uma empatia que gerou controvérsia, o realizador palestiniano acompanha o conterrâneo Omar, jovem padeiro cuja colaboração na morte de um soldado israelita o torna num alvo dos ocupantes da Cisjordânia, que depois de o capturarem e torturarem lhe dão a oportunidade de se tornar num agente duplo. E a partir daí, não só a sua liberdade fica cada vez mais condicionada como o seu sonho de casar com Nadia, irmã de um dos seus amigos militantes, é igualmente ameaçado.

Esgueirando-se entre o thriller e o drama, com agilidade para o primeiro e sensibilidade para o segundo, "Omar" recorre a alguns códigos narrativos reconhecíveis para contar uma história num cenário pouco habituado a acolhê-los. Uma história baseada em factos verídicos, incluindo em alguns vividos pelo próprio Abu-Assad, e um dos casos em que as reviravoltas reais competem com as da ficção rocambolesca q.b..

Mas apesar das surpresas do argumento, o resultado não é implausível e convence tanto na candura das cenas amorosas como nos momentos policiais de tom mais agreste, com destaque quase inevitável para as cenas em que os soldados israelitas perseguem o protagonista pelas ruas da sua vila. Omar não é Jason Bourne, mas Abu-Assad não fica a dever nada a Paul Grengrass, com a vantagem da montagem do seu filme ser menos epiléptica e capaz de manter um apelo físico assinalável.

O contraste entre esses ambientes, muitas vezes abrupto para quem vê embora habitual para quem o vive, é um dos elementos mais fortes de um filme em que a amizade, o amor e a confiança ficam reféns de um sistema de controlo claustrofóbico, com danos irreversíveis para o idealismo de um protagonista que nunca se despede, ainda assim, da sua dignidade. E aí há que elogiar Adam Bakri, a comandar um elenco de actores maioritariamente amadores (e credíveis) com a obstinação, elegância e intensidade que a personagem merece. Sem julgamentos, e também sem grandes soluções à vista, Abu-Assad segue-o com cinema à altura e conta, mais uma vez, a história dos que nem sempre a podem contar.

3,5/5

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