Cuba livre
No papel, "La Partida" pode parecer uma variação cubana de "O Segredo de Brokeback Mountain": o segundo filme do espanhol Antonio Hens centra-se na relação entre dois rapazes - colegas de uma equipa de futebol amadora - nascida do companheirismo e reforçada com o envolvimento amoroso e sexual. Ambos comprometidos, um deles casado e com um filho, os protagonistas deste drama não têm, no entanto, assim tanto com comum com os do filme de Ang Lee, mesmo que a narrativa não escape a algumas semelhanças.
Em vez da homofobia, que não deixa de estar presente, o maior entrave a uma vida em comum é o dinheiro, ou a falta dele, que obriga a situações de dependência extrema: num caso, dos negócios do sogro; no outro, da prostituição junto de turistas do sexo masculino - conhecida, consentida e até encorajada pela família (sobretudo por uma avó avarenta) como meio mais fiável de subsistência.
E quando o dia a dia tem de ser contado ao milímetro a partir da carteira, os planos para um futuro, até o mais próximo, são pouco mais do que sonhos, por muito que o escapismo momentâneo - a partir de encontros secretos no terraço de um prédio - chegue a iludir os protagonistas (num dos casos, de forma irreversível).
Mais do que a dinâmica da aproximação/negação/reconciliação(?), vista e revista em muitos filmes sobre o coming out - embora aqui até seja abordada com nervo e sensibilidade -, "La Partida" vale pelo retrato que deixa não só sobre os dois rapazes, mas do cenário que os envolve. Não mostra uma Havana tão castradora como a de "Antes que Anoiteça", biopic do escritor Reinaldo Arenas - a prostituição masculina é aceite, encarada como um mal necessário enquanto chamariz de turismo gay -, o que não quer dizer que os protagonistas tenham a vida facilitada. Um novo par de ténis de marca pode ser uma prenda enganadora, o futebol é mais tábua de salvação do que actividade de lazer, o jantar depende do reencontro num quarto de hotel com um homem mais velho...
Depois da estreia promissora com "Clandestinos", já há seis anos, Hens supera-se num filme menos efervescente, embora mais complexo e equilibrado, sem deixar de manter uma energia palpável tanto nos ambientes como no elenco de actores maioritariamente amadores - todos credíveis, com destaque para os principais, impecáveis na fuga para a frente das suas personagens.
Sem cair em julgamentos, mas também a evitar escamotear as consequências das acções dos protagonistas, o realizador espanhol sabe contar uma história de forma ágil, urgente, num belo retrato da entrada na idade adulta que só fraqueja no final, a resvalar para a vitimização de dramas menos astutos sobre a homofobia. Nada que não se desculpe quando o investimento emocional nos protagonistas foi tão bem desenvolvido e reclamado, ao ponto de deixar até os mais cínicos com o coração nas mãos em algumas das últimas cenas...
"La Partida" é um dos filmes (e boas apostas) da 18ª edição do Queer Lisboa, a decorrer até 27 de Setembro no Cinema São Jorge e na Cinemateca