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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

O emprego do tempo

 

Ao fim de 25 anos quase ininterruptos, os Orbital anunciaram a separação nesta terça-feira, terminando um dos percursos mais influentes da electrónica britânica (e nem sempre relembrados, como o confirma o quase ignorado mas aconselhável último álbum, "Wonky"). Mas não se perde tudo porque no mesmo dia em que a dupla disse adeus - o segundo depois de um hiato entre 2004 e 2008 - um dos irmãos Hartnoll, Paul, aproveitou para apresentar o seu projecto a solo.

8:58 é também o nome do álbum e do tema de avanço desta nova aventura inspirada pela passagem do tempo e pela pressão das rotinas e horários. E tempo foi o que o músico não perdeu ultimamente, porque já tem o disco gravado e pronto a sair em inícios de 2015, com digressão de apresentação confirmada - enquanto o irmão vai continuar também a solo, mas apenas como  DJ.

"Para mim, 8:58 é um momento de escolha. São quase 9 horas. Vais para a escola? Vais para o trabalho que odeias? Toda a gente enfrenta essa decisão de vez em quando. 8:58 é quando tu tens de tomar uma decisão", explica no seu site oficial - sim, também já tem um site pronto.

Paul Hartnoll revelou ainda que o álbum tem Ed Harcourt e Lisa Knapp entre as vozes convidadas, lista que inclui também Robert Smith e as Unthanks, que fazem uma versão folk do clássico "A Forest", dos Cure. As saudades dos Orbital poderão ser compensadas por um disco descrito como uma continuação natural da banda, "um disco de dança para a mente" com um conceito distópico na linha de "1984" ou "Brazil".

Para já, "8:58", a canção, confirma isso tudo. Além de ser um instrumental longo assente em electrónica com um apelo tão cerebral como físico - muito Orbital, portanto -, conta com um videoclip que concentra a ideia da tirania do relógio, entre o desconforto e o escapismo - e também a lembrar imagens anteriores da banda, quase sempre oníricas ou surreais. Uma óptima primeira amostra para ver e ouvir depois da introdução de outro dos convidados do disco, Cillian Murphy:  

 

 

Uma enciclopédia que não tira as dúvidas

 

Um conhecimento enciclopédico da discografia dos Smiths, Beach Boys ou Pixies não basta para deixar um álbum capaz de ombrear com as influências. À terceira, os Drums levantam a voz e tentam uma mudança, mas "Encyclopedia" nem sempre os favorece.

Que os Drums ainda existam em 2014, cinco anos depois de um single-chave, "Let's Go Surfing", em que pareciam ser a nova banda indie da semana, já é por si só um feito e um exemplo de resistência. Até porque a vida de Jonathan Pierce e Jacob Graham não tem deixado de ser mais ou menos tumultuosa, tanto a nível pessoal como profissional, conforme a dupla norte-americana tem dito em entrevistas a propósito do seu novo disco. "Encyclopedia" chega três anos após o (de facto) "difícil" segundo álbum, "Portamento", que quase marcou o final do grupo - o maior dano acabou por ser a saída do baterista - e não replicou a simpatia com que muitos acolheram a estreia homónima.

Criadas no seguimento de um ano de 2013 vincado por projetos a solo, as novas canções não escondem as mazelas de um percurso musical conturbado q.b. nem de um quotidiano com conflitos regulares (e arrastados há anos) entre religião, amor e sexo. Tematicamente, "Encyclopedia" distingue-se por ser o álbum em que os Drums fazem alusões mais diretas não só à homossexualidade como à homofobia, opção que cimentou o fosso entre Jonathan e Jacob e o conservadorismo que apontam às suas famílias - e ao qual decidiram reagir, mesmo que o preço a pagar tenha sido o afastamento.

 

 
Tendo em conta esta viragem, percebe-se melhor a escolha de "Magic Mountain" para primeiro single do disco. Um single inesperadamente agressivo depois daquilo a que os anteriores nos habituaram, e não há mal nenhum nisso. Antes pelo contrário, a canção entrou directamente para a lista de melhores do grupo graças ao fortíssimo refrão gritado (e a pedir que gritemos por cima), aos coros tão celestiais como infernais, a uma bateria chicoteada ao lado do desvario da guitarra e à lógica para-arranca com uma sucessão de finais falsos. É talvez a grande canção que os Pixies não fizeram nos últimos anos e provou que os Drums não se esgotavam em pastiches da indie pop dos Smiths (com algum surf rock via Beach Boys).

Versos como "Inside my magic mountain/ We don't have to be with them/ Inside my magic mountain/ Our hearts are out", repetidos até à exaustão, deram conta do tom de catarse, numa fuga dos ambientes de praia para um refúgio na montanha - literalmente, uma vez que "Encyclopedia" foi gravado numa casa perto de um lago durante um período de isolamento.

Motivada pela raiva e solidão, a dupla prometia um disco mais cru e desconfortável e essa postura de "nós contra o mundo", irremediavelmente adolescente mas defendida com convicção, sente-se em boa parte do alinhamento. "They might hate you/ But I love you/ And they can go kill themselves", dispara "Let Me", inspirada pela forma como os homossexuais são encarados na Rússia. "Face of God" não é menos incisiva, com farpas evidentes ao fundamentalismo religioso num refrão que repete "I saw the face of God/ He showed me how to live/ I threw it back at him".



Em momentos como estes, "Encyclopedia" cumpre aquilo a que se propôs e mostra uma nova faceta dos seus autores, até porque as palavras têm correspondência numa moldura sonora austera e nervosa, com um braço de ferro entre guitarras e sintetizadores (estes últimos mais dominantes do que nos discos anteriores). Mas a mudança é só relativa, com o alinhamento a alternar episódios inspirados e (demasiadas) quedas para a mediania.

"Magic Mountain" e "I Can't Pretend", o segundo single (também da escola Pixies, também delicioso), fazem uma abertura perfeita e infelizmente sem continuidade num todo algo conformista, tão competente como perigosamente perto de uma indie pop genérica (em especial no último terço). O problema de momentos como "I Hope Time Doesn't Change Him", "U.S. National Park" ou "Break My Heart" não é tanto a candura twee - mesmo que pareça requentada -, mas o facto de os Drums esgotarem as ideias a meio da canção e as arrastarem até ao final.

Se aí a simpatia vai dando lugar à condescendência, "Bell Laboratories" sempre tem o mérito de inovar pela estranheza, com uma nuvem de electrónica cerebral comparável aos ambientes dos novos discos de Thom Yorke ou Simian Mobile Disco. Mas é o tipo de experiência mais apropriada para um lado B, a milhas de uma pequena maravilha como "Kiss Me Again", que prova que nem sempre é preciso mudar: longe da tensão da maioria do alinhamento, serve um oásis na linha dos primeiros tempos do duo, num breve regresso à praia (é difícil não pensarmos no otimismo orelhudo de "Let's Go Surfing").

Entre alguns achados e esforços menos estimáveis, "Encyclopedia" está tão longe de ser um regresso embaraçoso como do grande álbum que os dois singles de avanço sugeriam. À terceira não foi de vez: na enciclopédia da pop, mais ou menos indie, os Drums continuam a ser uma curiosa nota de rodapé, por muito que canções como "Magic Mountain" deem vontade de lhes dedicar uma página.