As quatro estações de "Boyhood". O Verão árabe de "Omar" e "Belém". O crescimento de Xavier Dolan em "Tom na Quinta" e "Mamã" (sequência do ano ao som de "Wonderwall"? Talvez, talvez). O amor e a perda de James McAvoy e Jessica Chastain, "gone girl" menos procurada do que a de Fincher (este a desiludir, como o "Interstellar" de Nolan ou "A Emigrante" de James Gray). "X-Men" entre os poucos franchises confiáveis, mais uma vez. Boas surpresas ("Eastern Boys", "Appropriate Behavior", "La Partida") no Queer Lisboa. A inteligência e coração de "O Filme Lego", tão esfuziante como a discografia dos Bis (reeditada e aumentada, com álbum novo a levar a festa a uma minoria). Os regressos no feminino de Neneh Cherry, Kelis, EMA, Mirah, Marissa Nadler, Suzanne Vega, Lykke Li, Macy Gray ou Dum Dum Girls. Trust, GusGus, Röyksopp e Stars numa pista de dança imaginária. A prata da casa a brilhar, nos discos e nos palcos. Na sala, as séries lá vão roubando espaço aos filmes (e ficaram tantas por ver). Silence 4, Warpaint e Arcade Fire em alta num ano de poucos concertos (e fica aqui uma resolução para 2015). Já não é nada mau e o melhor continua nas listas abaixo, sem ordem de preferência e com links para ler ou ouvir mais:
O primeiro embate com as personagens de "MAMÃ" não é fácil. Mesmo que os protagonistas dos filmes anteriores de Xavier Dolan tenham ficado a milhas de figuras especialmente simpáticas, a viúva e o filho adolescente deste quinto drama conseguem tornar-se insuportáveis logo nos minutos iniciais. E nem tentam dar muitas tréguas à paciência dos espectadores, o que parece dar razão a quem nunca se deixou seduzir pelo cinema do "enfant terrible" canadiano.
E no entanto, ao longo das mais de duas horas que se seguem, "MAMÃ" vai comprovando que a tendência do realizador de 25 anos para o histrionismo pode ser mais feitio do que defeito, mérito de uma narrativa menos dispersa e vazia do que a de títulos como "Amores Imaginários" (2010) ou "Laurence para Sempre" (2012). O recente "Tom na Quinta" já mostrava Dolan mais interessado nas dinâmicas das personagens do que na opulência formal, a sugerir um amadurecimento agora confirmado por este detentor do último Prémio do Júri em Cannes - ex-aequo com "Adeus à Linguagem", de Jean-Luc Godard, referência pela qual o canadiano confessa não sentir grande entusiasmo (desabafo sincero ou mera provocação, foi motivo suficiente para alimentar a desconfiança de muitos detractores).
Não é que "MAMÃ" deixe de lado o peso estético associado à obra de Dolan. Antes pelo contrário. A diferença é que opções como o ecrã no formato 1:1 (e só muito pontual e estrategicamente em 16:9) estão lá para servir a história e a forma como é contada em vez de serem lembretes vistosos das capacidades técnicas do seu autor. E se é verdade que também ajudam a desenhar alguns dos momentos mais melosos, como cenas dispensáveis em slow motion, esses ocasionais rendilhados dramáticos são amplamente compensados pelas muitas qualidades - não só da realização, mas também do argumento e da direcção de actores, sobretudo do trio Anne Dorval, Antoine-Olivier Pilon e Suzanne Clément.
Depois de um arranque agreste, "MAMÃ" mantém-se quase sempre na corda bamba, com variações de tom à medida do dia a dia de Diane e Steve, adolescente com distúrbio de hiperactividade e défice de atenção que o levam a ter comportamentos extremos. Dolan não tem medo de atirar mãe e filho para um drama de faca e alguidar conjugado com uma candura por vezes desarmante, espelho de uma relação tão espinhosa como terna e capaz de chegar ao equilíbrio possível a partir da entrada em cena de uma vizinha (uma professora com um problema de fala e um trauma por desvendar).
O retrato de famílias disfuncionais já vem de "J'ai tué Ma Mère" (2009) e "MAMÃ" volta a dar atenção especial à figura materna, agora com avanços notórios - e muitas vezes notáveis - na psicologia das personagens. Em vez da birra adolescente, há um olhar sem julgamentos que acaba por ir contrariando a desconfiança gerada pelas primeiras cenas. Há espaço para a empatia graças a uma mão cheia de episódios memoráveis, com a banda sonora a ter um papel determinante. Celine Dion e Andrea Bocelli dão voz a alguns, ainda assim superados por uma sequência de antologia ao som de "Wonderwall", dos Oasis, com Dolan a não resistir à tentação de um videoclip dentro do filme. Mas um videoclip que faz todo o sentido, respeitando a natureza e o arco dramático das personagens e resultando numa bela ode ao cinema e à música.
Mais impressionante (e bem mais angustiante) é um falso desenlace com um contraste brusco entre expectativas e realidade, talvez o pico emocional de um filme com tanto amor como desencanto. Sequência avassaladora, apresenta Dolan mais inspirado e seguro do que nunca e sugere que já faltou mais para chegar a um filme ao nível de achados como esse. Mas mesmo que não chegue, a sua perseverança face aos cépticos, tão destemida como a jornada de Diane, não deixa de ser admirável.
Discreto, mas a merecer atenção, o terceiro álbum de NUNO PRATA sublinha que o ex-baixista dos Ornatos Violeta não tem menos méritos enquanto intérprete e, sobretudo, escritor de canções. Um disco a descobrir entre o ruído promocional da quadra natalícia.
Apesar de uma agenda de palcos agitada q.b., de uma discografia em nome próprio que começa a consolidar-se e de participações recentes em "Corrente", dos Clã (para o qual assinou um tema), e na compilação "Voz e Guitarra 2" (com uma versão de "Cara Estranho", dos Los Hermanos), NUNO PRATA ainda se mantém um segredo demasiado bem guardado - não só quando nos lembramos de outros projeVtos de antigos elementos dos Ornatos Violeta, mas também face a muitos nomes associados à revitalização do pop-rock em português nos últimos tempos.
Admita-se que o lançamento do terceiro álbum, homónimo, na recta final do ano - quase sempre guardada para listas de balanços e edições natalícias -, também não será a mais favorável para que as novas canções do cantor, compositor e músico portuense tenham o eco merecido. E vale bem a pena dedicar alguma atenção ao sucessor de "Todos os Dias Fossem Estes/Outros" (2006) e "Deve Haver" (2010), novamente a revelar uma voz própria, segura na escrita e nos arranjos.
Gravado a dois, ao lado do multi-instrumentista Nico Tricot, colaborador habitual, numa pequena sala de um andar de escritórios, esta edição de autor (apoiada pela Cultura FNAC e Fundação GDA) mantém o ambiente intimista, talvez até mais do que os antecessores. À semelhança desses, "NUNO PRATA" intriga por uma diversidade instrumental que nunca equivale a canções balofas e ostensivas, até porque são sempre comandadas pelas palavras - às vezes sarcásticas, como em "Vai Andando Sobre as Águas", crónica do delírio coletivo pelo falhanço individual e contraste com a vulnerabilidade envolvente de "Simplesmente É Isso", tema que convida Manel Cruz.
Por vezes comparado a Sérgio Godinho ou Chico Buarque, o cantautor também não anda longe do despojamento dos Feromona ou do sentido de humor dos Clã, nomes mais aproximáveis do que a escola Ornatos. E se talvez possa ser cedo para falarmos de uma escola NUNO PRATA, há por aqui sinais de personalidade como a piscadela de olho de "Julgava Estar Resolvido (Inventa Agora um Refrão)" a "Refrão-Canção", um dos grandes momentos do álbum anterior, ambas debruçadas sobre a nobre arte (ou árdua tarefa?) de escrever canções ("Inventa agora um refrão/ É tempo já de o fazer/ Tens o quê para dizer?/ Conclui a dissertação").
Curtos e directos, quase sempre a rondar os três minutos de duração, estes temas servem pequenas narrativas centradas em episódios mundanos, como o das noites mal dormidas de "A Minha Inveja", com NUNO PRATA a convocar um ukulele para remoer frustrações. Mais descontraída, "As Voltas (Fiz Por Me Lembrar de Ti)" dança entre encontros e desencontros em modo acústico e com direito a assobio, reflexões na linha das de "Sentada À Minha Espera", em que os teclados tentam disputar o protagonismo da guitarra.
Embora comece bem, assente num dia desperdiçado em casa, a faceta lânguida de "Hoje É Feriado" não é tão certeira, culpa dos quase seis minutos que saem a perder face à concisão dos outros temas. Nada que o final do alinhamento não compense, graças à fuga para a frente de "Levanta-te e Anda", marcha obstinada e abrilhantada pelo xilofone, sininhos, ganzá ou ovinho. A hesitação entre procrastinar ou tentar a sério passa ainda por "Agora É que É", outra aliança inspirada entre cordas e percussão, com potencial de hino ainda maior caso encontre guarida em algumas rádios. Porque estas canções, apesar de valerem por si, também precisam de amigos.