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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

50 de 2014

As quatro estações de "Boyhood". O Verão árabe de "Omar" e "Belém". O crescimento de Xavier Dolan em "Tom na Quinta" e "Mamã" (sequência do ano ao som de "Wonderwall"? Talvez, talvez). O amor e a perda de James McAvoy e Jessica Chastain, "gone girl" menos procurada do que a de Fincher (este a desiludir, como o "Interstellar" de Nolan ou "A Emigrante" de James Gray). "X-Men" entre os poucos franchises confiáveis, mais uma vez. Boas surpresas ("Eastern Boys", "Appropriate Behavior", "La Partida") no Queer Lisboa. A inteligência e coração de "O Filme Lego", tão esfuziante como a discografia dos Bis (reeditada e aumentada, com álbum novo a levar a festa a uma minoria). Os regressos no feminino de Neneh Cherry, Kelis, EMA, Mirah, Marissa Nadler, Suzanne Vega, Lykke Li, Macy Gray ou Dum Dum Girls. Trust, GusGus, Röyksopp e Stars numa pista de dança imaginária. A prata da casa a brilhar, nos discos e nos palcos. Na sala, as séries lá vão roubando espaço aos filmes (e ficaram tantas por ver). Silence 4, Warpaint e Arcade Fire em alta num ano de poucos concertos (e fica aqui uma resolução para 2015). Já não é nada mau e o melhor continua nas listas abaixo, sem ordem de preferência e com links para ler ou ouvir mais:

 

10 FILMES

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"Belém", Yuval Adler
"Boyhood: Momentos de Uma Vida", Richard Linklater
"Jovem e Bela", François Ozon
"Mamã", Xavier Dolan
"O Clube de Dallas", Jean-Marc Vallée
"O Desaparecimento de Eleanor Rigby", Ned Benson
"O Filme Lego", Christopher Miller e Phil Lord
"Omar", Hany Abu-Assad
"Tom na Quinta", Xavier Dolan
"X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido", Bryan Singer

 

10 DISCOS INTERNACIONAIS

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"Data Panik Etcetera", Bis
"The Future's Void", EMA
"Vieux Freres Partie 1", FAUVE
"Mexico", GusGus
"Food", Kelis
"Changing Light", Mirah
"Blank Project", Neneh Cherry
"The Inevitable End", Röyksopp
"No One Is Lost", Stars
"Joyland", Trust

 

10 DISCOS NACIONAIS

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"Dois", Batida
"Sereia Louca", Capicua
"Corrente", Clã
"#batequebate”, D'Alva
"A Bunch of Meninos", Dead Combo
"Keep Razors Sharp", Keep Razors Sharp
"Nuno Prata", Nuno Prata
"True", The Legendary Tigerman
"Penelope", Sequin
"Mambos de Outros Tipos", Throes + The Shine

 

15 CANÇÕES

Liars

 

"Our Love", Caribou
"Frescobol", D'Alva
"Neuromancer", EMA
"Airwaves", GusGus
"Carpe Jugular", The Hidden Cameras
"Brooklyn Baby", Lana Del Rey
"Vox Tuned D.E.D.", Liars
"Queen of the Big Hurt", Macy Gray
"Wolves and Lambs", Maria Minerva
"Desire", Marissa Nadler
"No Direction Home", Mirah
"Tempest", Shit Robot
"Trap Door", Stars
"Song of the Stoic", Suzanne Vega
"Par Avion", Xeno & Oaklander

 

5 SÉRIES

HOMELAND (Season 4)

 

"A Guerra dos Tronos", HBO
"Looking", HBO
"Segurança Nacional", Showtime
"The Americans", FX
"The Killing", Netflix

O filho pródigo

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O primeiro embate com as personagens de "MAMÃ" não é fácil. Mesmo que os protagonistas dos filmes anteriores de Xavier Dolan tenham ficado a milhas de figuras especialmente simpáticas, a viúva e o filho adolescente deste quinto drama conseguem tornar-se insuportáveis logo nos minutos iniciais. E nem tentam dar muitas tréguas à paciência dos espectadores, o que parece dar razão a quem nunca se deixou seduzir pelo cinema do "enfant terrible" canadiano.

E no entanto, ao longo das mais de duas horas que se seguem, "MAMÃ" vai comprovando que a tendência do realizador de 25 anos para o histrionismo pode ser mais feitio do que defeito, mérito de uma narrativa menos dispersa e vazia do que a de títulos como "Amores Imaginários" (2010) ou "Laurence para Sempre" (2012). O recente "Tom na Quinta" já mostrava Dolan mais interessado nas dinâmicas das personagens do que na opulência formal, a sugerir um amadurecimento agora confirmado por este detentor do último Prémio do Júri em Cannes - ex-aequo com "Adeus à Linguagem", de Jean-Luc Godard, referência pela qual o canadiano confessa não sentir grande entusiasmo (desabafo sincero ou mera provocação, foi motivo suficiente para alimentar a desconfiança de muitos detractores).

Não é que "MAMÃ" deixe de lado o peso estético associado à obra de Dolan. Antes pelo contrário. A diferença é que opções como o ecrã no formato 1:1 (e só muito pontual e estrategicamente em 16:9) estão lá para servir a história e a forma como é contada em vez de serem lembretes vistosos das capacidades técnicas do seu autor. E se é verdade que também ajudam a desenhar alguns dos momentos mais melosos, como cenas dispensáveis em slow motion, esses ocasionais rendilhados dramáticos são amplamente compensados pelas muitas qualidades - não só da realização, mas também do argumento e da direcção de actores, sobretudo do trio Anne Dorval, Antoine-Olivier Pilon e Suzanne Clément.

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Depois de um arranque agreste, "MAMÃ" mantém-se quase sempre na corda bamba, com variações de tom à medida do dia a dia de Diane e Steve, adolescente com distúrbio de hiperactividade e défice de atenção que o levam a ter comportamentos extremos. Dolan não tem medo de atirar mãe e filho para um drama de faca e alguidar conjugado com uma candura por vezes desarmante, espelho de uma relação tão espinhosa como terna e capaz de chegar ao equilíbrio possível a partir da entrada em cena de uma vizinha (uma professora com um problema de fala e um trauma por desvendar). 

O retrato de famílias disfuncionais já vem de "J'ai tué Ma Mère" (2009) e "MAMÃ" volta a dar atenção especial à figura materna, agora com avanços notórios - e muitas vezes notáveis - na psicologia das personagens. Em vez da birra adolescente, há um olhar sem julgamentos que acaba por ir contrariando a desconfiança gerada pelas primeiras cenas. Há espaço para a empatia graças a uma mão cheia de episódios memoráveis, com a banda sonora a ter um papel determinante. Celine Dion e Andrea Bocelli dão voz a alguns, ainda assim superados por uma sequência de antologia ao som de "Wonderwall", dos Oasis, com Dolan a não resistir à tentação de um videoclip dentro do filme. Mas um videoclip que faz todo o sentido, respeitando a natureza e o arco dramático das personagens e resultando numa bela ode ao cinema e à música.

Mais impressionante (e bem mais angustiante) é um falso desenlace com um contraste brusco entre expectativas e realidade, talvez o pico emocional de um filme com tanto amor como desencanto. Sequência avassaladora, apresenta Dolan mais inspirado e seguro do que nunca e sugere que já faltou mais para chegar a um filme ao nível de achados como esse. Mas mesmo que não chegue, a sua perseverança face aos cépticos, tão destemida como a jornada de Diane, não deixa de ser admirável.

3,5/5

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