Da Rússia com amor
Apesar do ambiente de espionagem dominante em todos os episódios, a maior crise de "THE AMERICANS" vive-se no lar (cada vez menos doce) do casal protagonista.
A terceira temporada da série do FX, terminada há poucos dias, leva mais longe a crise de Philip e Elizabeth Jennings, agentes do KGB que se fazem passar por norte-americanos num pacato bairro de Washington.
Se os primeiros episódios da série criada por Joe Weisberg sugeriam que o seu conceito poderia esgotar-se rapidamente, esta combinação de drama familiar e thriller (bem mais meditativo do que cinético) ambientada na Guerra Fria, em meados dos anos 80, tem sabido manter-se intrigante sem precisar de grandes rupturas ou reinvenções. Basta-lhe a segurança na abordagem de um confito várias vezes ficcionado, mas raramente de forma tão sóbria e equilibrada, mais interessada em personagens do que em bandeiras ou organizações.
Aqui quase todos são simultaneamente bons e maus, heróis e vilões, vítimas e carrascos, sejam russos ou norte-americanos. Esse desconforto, vivido pelas personagens e habilmente partilhado com o espectador, tornou-se ainda mais extremo numa terceira temporada em que o fosso político, ideológico e emocional tomou conta da casa da dupla protagonista. Quando os seus dois filhos - em especial Paige, a mais velha - começam a ser considerados importantes peças do tabuleiro pelo KGB, Philip e Elizabeth começam também a assumir posições opostas e a reforçar a intrincada teia de forças polarizantes da série, mesmo que o amor de ambos pela família nunca esteja em causa.
Que "THE AMERICANS" consiga fazer-nos sentir empatia por protagonistas com acções tão condenáveis, quase sempre através de um desfile crescente de disfarces, é um trunfo merecedor de respeito - e, lá está, dos mais desconfortáveis quando até nos faz torcer pelo duo. Nada que outras séries - de "Os Sopranos" a "Breaking Bad" ou até "Mad Men" - não tenham despertado, é verdade. Mas a produção do FX é talvez mais violenta e angustiante no embate emocional sem nunca precisar de entrar no choque gratuito. E ao contrário de, por exemplo, "House of Cards", aqui a mentira, a manipulação e a morte não são aligeiradas pelo cinismo e humor negro.
Além desta ambiguidade, mais adulta do que a de muito cinema, a série merece elogios por fintar clichés na caracterização da década em que a acção decorre. Tirando as perucas das várias "personas" dos Jennings, os "loucos" anos 80 não esmagam um retrato mais realista do que garrido, opção sedimentada pela fotografia de tons sépia ou por uma realização atenta aos gestos e olhares - valorizada por um elenco impecável, dos principais ao secundário mais ocasional, com destaque inevitável para as surpresas Matthew Rhys e Keri Russell, merecedores de todo o protagonismo.
De qualquer forma, há algumas referências deliciosas à cultura pop, sobretudo quando são determinantes para as situações. Um dos melhores episódios da terceira temporada não seria o mesmo sem uma canção e um álbum dos Yazoo (ou Yaz, como o duo britânico era conhecido nos EUA), assim como uma das novas personagens mais comoventes, Kimmie, lembra muito Madonna dos primeiros dias sem se aproximar da caricatura.
O ritmo mais paciente do que urgente e o ziguezague de conspirações e troca de informações talvez não atirem "THE AMERICANS" para a lista de séries mais viciantes do momento. E apesar de terminar com um cliffhanger tremendo, a terceira temporada não é tão forte nos últimos episódios como nos primeiros - até porque os arcos de algumas personagens, como os da espia russa Nina Sergeevna ou do agente do FBI Stan Beeman (grande Noah Emmerich!) poderiam ter avançado mais. Mas há grande televisão a (re)descobrir por aqui...