Embora tenham feito as primeiras partes dos concertos mais recentes dos Foals, os REAL LIES terão poucas ligações musicais à banda de "Antidotes". Mas ao ouvir o álbum de estreia do trio londrino, "Real Life", é difícil não ir relembrando outros conterrâneos, alguns praticamente esquecidos (que é feito dos EMF, Renegade Soundwave ou Regular Fries?), outros de memória menos distante (dos Pet Shop Boys aos The Streets, passando pelos Audio Bullys)
Se o namedrop de influências é tentador, culpa de um alinhamento que leva a euforia das noites de Ibiza de há três décadas (via Hacienda e a cena "Madchester") para as ruas da capital britânica, o disco está longe de ser um exercício revisionista. Entre relatos de festas regadas a álcool até às tantas, amores desencontrados e sonhos por cumprir - alguns já colocados de lado -, a mistura de folia e melancolia tem direito a olhar renovado e nada nostálgico, apesar de o som do agora não esquecer o de ontem.
"BLACKMARKET BLUES" (videoclip abaixo), a abrir, é logo dos momentos mais convincentes, num relato geracional guiado por electrónica baleárica e spoken word, tão forte como os momentos mais inspirados dos franceses FAUVE (também recentes, também a dar voz a uma fatia significativa da juventude) e com qualquer coisa do épico "Born Slippy", dos Underworld (um dos hinos brit dos anos 90).
Obrigatórias são ainda "Sidetripping", final em grande com guitarras e alma pós-punk, em tom mais luminoso, e a irresistível "One Club Town", a meio (Happy Mondays cruzados com os Blur de "There's No Other Way"?), pilar rítmico de um álbum que sugere haver mais - e bom - caminho. Para já, fica uma das revelações do ano...
Resposta norueguesa a "O Lado Selvagem" ou "Livre"? A premissa de "DA NATUREZA" é comparável à desses filmes, mas o drama de Ole Giæver faz questão virar do avesso as jornadas solitárias de auto-descoberta.
Começar de novo, correr riscos, sair da rotina das 9 às 5e da monotonia conjugal e familiar, do conforto tornado tédio. É isto que leva Martin a isolar-se, durante um fim-de-semana, na floresta a dois passos da pacata localidade do interior norueguês em que vive.
Na casa dos trinta, mas já a caminho de uma crise de meia-idade, o protagonista de "DA NATUREZA" é interpretado pelo próprio realizador, Ole Giæver (função partilhada com Marte Vold), que assina ainda o argumento desta comédia dramática, a sua segunda longa-metragem (e a primeira a chegar a Portugal).
O que poderia ser só mais uma incursão no "ennui" existencial burguês - tema muito europeu e também muito nórdico - acaba por ir ganhando pontos como uma variação personalizada, mas de apelo relativamente amplo, que conjuga algum desespero e até alguma auto-indulgência com um humor às vezes desarmante.
Esta combinação sai quase sempre dos pensamentos de Martin, que vincam o filme do princípio ao fim num caso em que dispositivo da narração em off se mostrar uma aposta consequente - em boa parte graças à rédea solta das confissões do protagonista, das mais cruas e angustiantes às mais desbragadas, sobretudo quando a libido se intromete (e intromete-se muito, em algumas das melhores sequências).
É verdade que "DA NATUREZA" percorre os seus quase 80 minutos (curtos, mas que não sabem a pouco) sem acrescentar grandes viragens ou soluções às questões que coloca em jogo. Quem procurar epifanias inspiradas pela pureza da paisagem estará a apostar no filme errado (nesse departamento os dramas on the road dirigidos por Sean Penn ou Jean-Marc Vallée serão propostas mais esclarecedoras e bem comportadas).
Ole Giæver oferece antes um inventário de reflexões, ambições e inquietações - algumas urgentes, outras frívolas, todas pessoais mas transmissíveis - com sentido de oportunidade para os tempos que correm, valendo-se ainda de uma energia visual assinalável (que felizmente evita lirismos bucólicos) e uma entrega à altura como actor (apesar do turbilhão de pensamentos, o olhar sobre o corpo tem tanta ou mais força).
No final, mais do que as viagens ao ar livre vividas por Emile Hirsh ou Reese Witherspoon, o retiro de Martin lembra a inquietação de "Oslo, 31 de Agosto", do também norueguês Joachim Trier, pelo desnorte da passagem do tempo e refúgo na idealização da adolescência, mesmo que "DA NATUREZA" fique aquém dessa intensidade e prefira olhar para o céu do que para o abismo. E prefere ainda mais a fuga para a frente, mesmo que acabe por correr em círculos.