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Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Fundo de catálogo (103): David Bowie

A descoberta de "Space Oddity" e a festa de "Let's Dance". A experimentação da trilogia berlinense. A elegância e maturidade de "Hours...". O regresso eléctrico de "The Next Day". Ou, claro, o adeus (e não um novo começo, como pensávamos) de "Blackstar". Da imprensa às redes sociais, entre a melancolia e a euforia, não faltam recortes do percurso longo, vasto e, sim, "camaleónico", de DAVID BOWIE na hora da despedida. Menos lembrada é a fase de meados dos anos 90, sobretudo a de "Earthling" (1997), e não será por acaso.

 

david_bowie_earthling_2

 

A descida à Terra, com banda sonora de inspiração electrónica, entre o industrial e o drum n' bass, parecia antecipar o futuro mas soa hoje datada, sem a aura das viagens a Marte, essas com lugar entre os clássicos da década de 70. Talvez porque em "Earthling" Bowie tenha tentado abraçar uma segunda juventude, embalada pelo rasgo de discípulos que acabariam por influenciar o mestre - um caso raro na discografia do britânico, mais precursor do que seguidor.

 

Ainda assim, é uma fase que tem os seus momentos e alguns resistem bem ao tempo. No álbum de "Dead Man Walking" ou "Little Wonder" morava também "I'M AFRAID OF AMERICANS", na verdade um tema composto com Brian Eno para o revigorante "Outside" (1995) mas guardado para a banda sonora de... "Showgirls" (!) - muito anos 90, portanto -, surgindo depois no alinhamento do disco de 1997, numa nova versão. E esta não seria a última, já que a mais popular foi produzida por Trent Reznor, na fase áurea dos Nine Inch Nails (ou seja, na ressaca de "The Downward Spiral"), promovida a single oficial.

 

O convite alargou-se ao videoclip, com o autor de "March of the Pigs" a perseguir Bowie num ambiente urbano de paranóia e criminalidade, à medida da obsessão da letra e do nervo da música, em tempos de tensão pré-milénio. Muito anos 90, portanto, embora com uma ressonância mais actual do que a remistura de Photek (um dos arautos do jungle, ao lado de Goldie, com quem Bowie também colaborou, nomes tão aclamados na altura como esquecidos hoje).

 

Além de "Earthling", 1997 foi o ano de "Estrada Perdida", de David Lynch, onde Bowie abria caminho para um desfile de companheiros de aventuras da década, também eles a aliar rock e electrónica negra - Reznor, claro, e ainda Marilyn Manson, Smashing Pumpkins ou uns quase desconhecidos Rammstein. Uma viagem que vale a pena voltar a fazer, conjugada com "I'm Afraid of Americans" e, já agora, pela estrada que acabaria por levar a "Earthling", mais vertiginosa do que o destino: Bowie e os Nine Inch Nails juntos em palco na "Dissonance Tour", em 1995.

 

 

A adorável vida selvagem

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É difícil negar que as SAVAGES têm a lição pós-punk bem estudada, da música à imagem, da atmosfera à pose, com palavras tão negras como a indumentária. Daí a "Silent Yourself" (2013), o álbum de estreia das britânicas, ser motor de epifanias, ainda vai alguma distância - a mesma entre alunas invulgarmente esmeradas, preferíveis a colegas que se limitam a copiar a matéria básica, e professores geniais, quase insuperáveis na sua área.

 

Três anos depois, e já com o segundo disco à vista, o cenário parecia não mudar muito, com os primeiros avanços de "Adore Life" (chega já no dia 22) a abrir caminho com guitarras em ebulição e a voz enfurecida de Jehnny Beth. "The Answer""T.I.W.Y.G." foram petardos com vontade de causar estragos, sobretudo ao vivo, mas dificilmente ficarão como canções capazes de deixar grande rasto.

 

Felizmente, o novo single sugere que o alinhamento do álbum pode trazer mais do que rock tão escorreito como genérico, naquela que é uma das canções mais eloquentes das londrinas. O ambiente continua austero, na linha da estreia, a postura é ainda confrontacional. O que muda? Talvez a cedência de "ADORE" a alguma paz interior, ou a paz interior possível nas Savages, num elogio à vida mais intrigante do que a revolta dos primeiros tempos. O videoclip, minimalista sem deixar de ser elaborado, também ajuda, e o final da canção revela uma banda em estado de graça - e finalmente à altura do estatuto de referência algo precoce. Se "Adore Life" seguir por aqui, temos disco.