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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

O amor é isto e nada mais?

Envolvente mas também exasperante, tensa apesar de episódios descontraídos: assim é a relação dos protagonistas de "MEU REI", tão acidentada como o filme de Maïwenn. E muito bem entregue ao par Emmanuelle Bercot/Vincent Cassel, excelente na vertigem emocional que a realizadora francesa lhe pede.

meu_rei

Ao longo de mais de duas horas, acompanhar a história de (des)amor de Tony (dimunitivo de Marie Antoinette) e Georgio pode ser tão esgotante para os espectadores como para o casal protagonista. Não que isso seja um problema, já que na maior parte das vezes é mais feitio do que defeito: talvez este relacionamento tóxico entre uma advogada e um empregado de restaurante não pudesse ser apresentado de outra forma, sobretudo quando é contado a partir do ponto de vista dela, o cônjuge mais frágil (e fragilizado) deste percurso de cerca de dez anos entre o namoro, o casamento e a separação.

Dar conta do rumo do relacionamento não será um spoiler quando "MEU REI" avança boa parte dele logo ao início, ao fazer alternar a narrativa entre a estadia de Tony numa clínica de reabilitação (depois de um acidente de esqui que a deixou sem conseguir andar temporariamente) e as várias fases da sua vida a dois com Georgio. E se à partida a revelação de alguns acontecimentos pouco depois do arranque parece diluir parte do factor surpresa do argumento, mostra-se uma opção conseguida quando contrasta, às vezes de forma brusca (e bruta), os estados físicos e emocionais da protagonista, dando ainda conta do rastilho de auto-destruição da relação que já se fazia notar mesmo em momentos aparentemente harmoniosos.

Meu_Rei_Emmanuelle_Bercot

Ao apresentar assim o retrato conjugal, Maïwenn (realizadora do elogiado "Polissia") também torna mais evidente a escolha certeira da sua actriz, com Emmanuelle Bercot a arrancar um desempenho triunfal (compreende-se o prémio de interpretação feminina em Cannes no ano passado) na pele de uma mulher inteligente, sensata a sensível, mas quase sempre manipulada num jogo amoroso doentio do qual não quer e/ou não consegue sair. Vincent Cassel só lhe fica atrás porque a sua personagem não lhe possibilita tantas viragens, mas é igualmente magnético na pele de amante tão esquivo quanto carismático, com uma presença ambígua o suficiente para que o filme não caia num caso de faca e alguidar entre carrasco e vítima (ainda que ameace escorregar para esse cenário em algumas sequências, sobretudo quando Tony parece entrar num ciclo de situações-limite).

O realismo que a dupla imprime à maioria das cenas até faz esquecer que, no papel, "MEU REI" não traz grande coisa de novo a histórias de dramas conjugais. Mas também nem precisa: além da química entre os protagonistas, do comovente ao visceral, há um olhar de cineasta atenta às nuances das relações humanas, e por aí (nota para uma mão cheia de óptimos diálogos) o filme distingue-se logo de muita concorrência genérica com premissas comparáveis. E até alguma redundância narrativa ou o desperdício da maioria dos actores secundários (Louis Garrel, estouvado como sempre, merecia mais) acabam por ser limitações perdoáveis quando o desenlace concilia tão bem serenidade e inquietação - aí, sim, o casamento é perfeito.

3,5/5

Música no coração

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Em 2013, a morte de Benjamin Curtis, vítima de um linfoma, veio colocar em causa a continuidade de uma das melhores bandas a dar novos rumos à dream pop nos últimos anos. Felizmente, Alejandra Deheza, a outra metade dos SCHOOL OF SEVEN BELLS, optou por terminar as canções que a dupla nova-iorquina estava a compor na altura, tornando possível o quarto álbum, "SVIIB", editado há poucos dias.

 

Tendo em conta o episódio trágico, será praticamente impossível ouvir os novos temas sem procurar alusões à relação entre os seus autores, sobretudo quando a vocalista dedica o disco ao antigo colega, amigo e a certa altura namorado, assumindo que a sua vida em comum influenciou quase todas as faixas.

 

Mais surpreendente é que o resultado não seja um álbum embebido numa atmosfera triste ou pesada por causa disso, mesmo não abdicando de cenários de melancolia (já habituais na obra da banda) enquanto se agarra com convicção a alguma esperança. Em certas canções até está no extremo oposto, como na explosão irresistível de sintetizadores de "Ablaze", que se não é a faixa de abertura mais viciante da temporada andará lá muito perto.

 

"ON MY HEART", o novo single, é outro bom exemplo, com a catarse a evitar lamentos fáceis e uma espiral de sofrimento sem fim à vista. Em vez disso, embala-nos numa pop electrónica acolhedora e levemente dançável, acompanhada por um videoclip com uma corrida do terror ao amor - e uma homenagem bonita, simples e apropriada a Curtis: