Este grito ainda se faz ouvir
Iguais a si próprios, mas ainda capazes de surpreender. Assim estão os PRIMAL SCREAM em "CHAOSMOSIS", 11º álbum movido por um entusiasmo que falta a muitas estreias.
Com um pé no rock e outro na música de dança, os Primal Scream andam há mais de 30 anos a consolidar uma discografia que não se contenta em ser versátil. Às vezes Bobby Gillespie e companhia insistem em tornar-se esquizofrénicos e é por aí que "CHAOSMOSIS" segue depois de três álbuns relativamente arrumados - "Riot City Blues" (2006) e "Beautiful Future" (2008), pouco estimulantes, e o mais aconselhável "More Light" (2013).
Neste caso, disparar em todas as direcções até joga a favor dos britânicos. Se a dispersão sonora é evidente, com espaço para revisitações a muitas fases passadas, as letras têm aqui um tom mais pessoal e, mais importante ainda, o alinhamento é dos mais coesos de uma banda habituada a ir do genial ao dispensável.
Sem se candidatar a disco de referência na linha de um "Screamadelica" (1991), o 11º album dos Primal Scream faz ver tanto a alguns novatos como veteranos na altura de cruzar guitarras e sintetizadores, mistura já longe de surpreendente (e que não conhece aqui transformações de maior) mas com uma conjugação eficaz de sabedoria e energia na fórmula do grupo. "Trippin' on Your Love", a abrir, é uma actualização descarada de "Movin' On Up", a convocar house e gospel enquanto convida à festa, mesmo que às tantas pouco mais faça do que mostrar Gillespie a repetir o título do tema ao lado de um coro feminino (composto por umas demasiado discretas HAIM).
Melhor é "(Feeling Like A) Demon Again", exemplo de synth pop sinuosa com alma pós-punk, vertigem reactivada na explosiva "100% or Nothing" (mais New Order do que Primal Scream, mas os New Order mais urgentes em anos) ou no disparo "When the Blackout Meets the Fallout" (curtíssima passagem pela farpa industrial de "Evil Heat", de 2002). Menos imponente, "Where the Light Gets In" recruta Sky Ferreira para um dueto que lembra a colaboração com Kate Moss em "Some Velvet Morning", ainda que seja um cartão de visita apenas mediano.
Entre estes momentos dançáveis q.b., "CHAOSMOSIS" vai deixando faixas de descompressão como "I Can Change" ou a bonita balada folk "Private Wars", nas quais Gillespie comprova continuar a acompanhar a versatilidade da música. "I know that there is something wrong with me", repete já perto do fim, em "Golden Rope", tema que condensa a alternância entre calmaria e intensidade do alinhamento enquanto abre a porta a algum psicadelismo. Mas é difícil concordar com ele quando nos leva para o remate desopilante dessa canção, para a euforia de "Carnival of Fools" (talvez o único tema preocupado com o update electrónico) ou a despedida de sabor clássico de "Autumn in Paradise" (com os New Order mais uma vez para aqui chamados, agora em modo melancólico e, passe a redundância, outonal). E deste caos controlado sai o melhor disco dos Primal Scream em muito tempo...