Depois de Alice Glass ter deixado os CRYSTAL CASTLES no ano passado, dando lugar a Edith Frances, houve quem chegasse a temer o fim do projecto de Ethan Kath, dono de uma das discografias mais aconselháveis dos anos 00 (continua a ser difícil escolher o melhor dos três álbuns). Entretanto, "Frail" e "Deicide", duas canções criadas pela nova dupla, deixaram de lado o pior cenário mas sugeriram, tal como o teaser de "Femen", que os dias mais intempestivos tinham ficado para trás, juntamente com a vocalista original.
Até que esta semana chegou "CONCRETE", tema que mostra Frances (finalmente?) em modo aguerrido, ancorado em ritmos devedores da EBM ao lado de uma tempestade techno/trance, sobretudo num refrão sujo e distorcido, a prometer explodir ao vivo. Isso quase acontece no videoclip, filmado pelo próprio Kath, com câmara à mão, enquanto segue a colega entre o público de um concerto ao ar livre.
A canção deverá fazer parte do próximo álbum da dupla canadiana, "Amnesty (I)" (título por confirmar), que alguns fãs acreditam estar agendado para Agosto. Já assegurada está a apresentação ao vivo em Portugal, com actuações no Porto (no Hard Club) e em Lisboa (no Paradise Garage), a 7 e 8 de Dezembro, respectivamente. Se mantiverem a energia da vocalista evidente no novo videoclip, vão ser adições muito bem vindas às ilustres memórias dos CRYSTAL CASTLES por cá - e com direito a novos hinos de electrónica para agitar multidões como esta:
Em vez do caos existencial associado às crises de meia-idade, "O QUE ESTÁ POR VIR" segue a fuga para a frente da sua protagonista de forma inesperadamente amena e elegante. Um mérito partilhado entre Mia Hansen-Love e Isabelle Huppert, com a graça da primeira a conduzir a obstinação da segunda.
A história de Nathalie, uma professora de filosofia na casa dos cinquenta que se depara com um momento de viragem tanto a nível pessoal como profissional - da relação com o marido à saúde frágil da mãe, passando pelas discordâncias com a sua editora - tanto poderia ter desembocado num dramazinho new age (na linha de "Comer Orar Amar") como num dramalhão com uma sucessão de desgraças sem fim à vista, vincado por um pessimismo tão à medida dos tempos que correm.
Mas nas mãos de Mia Hansen-Løve, realizadora e argumentista deste estudo de personagem inspirado na sua família (e em especial na mãe), o resultado é um filme que consegue fintar uma série de lugares comuns sem sequer precisar de reinventar grande coisa. Se por um lado o retrato da cineasta francesa não parece distanciar-se muito de outros centrados na burguesia parisiense, "O QUE ESTÁ POR VIR" vai encontrando o seu espaço ao desenhar uma protagonista já de si algo incomum, por ser uma mulher de meia-idade, e que se torna ainda mais singular na pele de uma actriz que, tal como o filme, dispensa grandes exibicionismos para se impor e distinguir.
A frieza muitas vezes presente nas personagens de Isabelle Huppert nem é o traço mais forte de Nathalie, que apesar de comedida nas paixões e afectos deverá ser das figuras mais empáticas já encarnadas pela actriz - em parte pela curiosidade a espaços quase adolescente, em parte pela resiliência avessa a choradinhos (mesmo no meio da tragédia). E dessa vontade de contrariar as regras sem os radicalismos de outros tempos nasce uma protagonista que é também o único alicerce emocional e narrativo de "O QUE ESTÁ POR VIR", o que não sendo novidade no cinema de Hansen-Løve é aqui um avanço assinalável face ao anterior e frustrante "Eden" (2014).
Mais do que determinar a sua escolha profissional, a filosofia destaca-se como motor do dia-a-dia de Nathalie e da forma como encara a vida, como refúgio quando outras prioridades se apagam ou porta para quem também partilha esse interesse. Dessa afinidade surge uma relação próxima com um ex-aluno, através da qual a protagonista se permite fugir à rotina familiar e laboral e a realizadora ameaça aproximações à comédia romântica. E também aí, com o entendimento intelectual a sobrepor-se a qualquer outro, Hansen-Løve faz do filme um objecto singular, que só não conquista por completo ao abandonar a protagonista de forma demasiado repentina, com um terceiro acto que parece despedir-se a meio. Mas o desenlace anticlimático também será mais feitio do que defeito e não trai o charme de um retrato para juntar a "Minha Mãe", de Nanni Moretti, ou "Gloria", de Sebastián Lelio, dois dos poucos dramas recentes sobre mulheres "de uma certa idade" que não se sujeitam ao que os outros esperam delas.