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Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Da Colômbia com calor

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No final de Julho, os SYSTEMA SOLAR ajudaram a encerrar a edição mais recente do Festival Músicas do Mundo, em Sines, num ambiente de febre de sábado à noite que se alargaria até à manhã de domingo - aí já só para os mais resistentes, com o concerto de Jibóia servido ao pequeno-almoço. Mas quem perdeu estes colombianos ao vivo ainda vai a tempo de os acompanhar em disco, ou pelo menos em singles como "RUMBERA".

 

A nova aposta para o terceiro álbum, "Rumbo A Tierra", sintetiza bem a mistura entre tradição e modernidade afrocaribenha praticada pelo colectivo ao longo dos últimos dez anos, com a promiscuidade de géneros a dar espaço à cumbia e à house, ao fandango e ao hip-hop, quase sempre através de uma máquina de ritmo impecavelmente oleada - como terá atestado quem acompanhou o desfecho do evento alentejano e outros concertos no South By South West ou Glastonbury.

 

A diluição de fronteiras não se fica pela música, embora esta seja o ponto de partida para um horizonte mais amplo que o novo single ajuda a mostrar. E mostra-o sobretudo no videoclip, que pretende afastar, através da dança, estereótipos associados à mulher, deixando uma ode à(s) figura(s) feminina(s) a partir de um bairro de Cartagena - El Pozón, que não é particularmente conhecido pela tolerância e diversidade.

 

Protagonizado por activistas feministas em clima de baile tropical, o vídeo de "RUMBERA" marca o início da campanha de sensibilização #DaleLaVueltaMama, parceria dos SYSTEMA SOLAR com instituições locais que tem recolhido testemunhos de várias mulheres (muitos publicados na página do Facebook da banda) e visa apoiar tantas outras. As intenções são boas e felizmente a canção não lhes fica atrás - pelo contrário, até é dos singles mais contagiantes da temporada e pede festas destas noutros palcos:

 

 

Uma noite em Havana

Das conversas de cinco personagens num terraço da capital cubana resulta "REGRESSO A ÍTACA", o novo filme de Laurent Cantet. E o realizador francês não precisa de muito mais para tirar daqui um pequeno grande drama ancorado na amizade, no envelhecimento, na revolução e na (des)ilusão.

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Amadeo regressa a casa depois de um exílio de 16 anos em Madrid, Laurent Cantet demorou apenas dois a voltar a Cuba depois da sua curta-metragem integrada em "7 Dias em Havana". Pelo meio, o cineasta de "A Turma" (ainda o grande marco do seu percurso) deixou o algo incaracterístico "Foxfire - Raposas de Fogo", filme de época falado em inglês, mas em "REGRESSO A ÍTACA" interessa-se novamente pelo realismo social contemporâneo ao qual começou a ser associado em "Recursos Humanos" ou "O Emprego do Tempo".

Neste drama intimista e discreto, ainda mais do que os anteriores, opta por medir o pulso da sociedade cubana, ou parte dela, através das histórias de cinco amigos de meia-idade entrecruzadas numa noite de festa que, como é quase norma em filmes de reencontros e memórias partilhadas, não deixa de lado algumas lágrimas pelo caminho.

"REGRESSO A ÍTACA" tem sido ocasionalmente comparado a títulos como "Os Amigos de Alex", de Lawrence Kasdan, e a outros retratos de grupo geracionais ambientados num tempo e espaço muito limitados, e se é verdade que a premissa e o conceito têm semelhanças, Cantet também sabe esquivar-se a paralelismos demasiado óbvios.

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Não é que o argumento seja especialmente inspirado: o filme vai contrastando relatos pessoais, entre ambições e frustrações, alegrias e mágoas, rumo a um desenlace com uma revelação que até fica algo aquém do expectável. Mas mais do que o destino, o que conta aqui é a viagem, como aliás acontece na história individual dos protagonistas. E essa tem os seus encantos, pelo menos para quem conseguir ultrapassar um arranque hermético q.b., com uma conversa demasiado circunscrita ao quinteto de amigos.

Depois desses minutos iniciais, e mesmo que "REGRESSO A ÍTACA" nunca se livre de um lado demasiado palavroso, este reencontro mantém-se pessoal mas perfeitamente transmissível, mérito de um pequeno núcleo de actores em estado de graça e de diálogos quase sempre fluídos, verosímeis, vivos e envolventes - nesse departamento, terá ajudado o livro "La Novela de Mi Vida", de Leonardo Padura, co-argumentista do filme.

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Das experiências de vida recordadas pela noite dentro nasce uma peça de câmara que compensa em humanismo, maturidade e impacto emocional o que por vezes lhe falta na realização, com menos garra e desenvoltura do que a de outras obras de Cantet. A aposta tão insistente em grandes e médios planos só não chega a ser extenuante porque o elenco está mais do que à altura do desafio, mas ainda assim o filme aproxima-se demasiadas vezes de um registo televisivo.

Não se pedia um retrato turístico de Havana, embora "REGRESSO A ÍTACA" talvez tivesse saído a ganhar caso contasse com mais desvios de atenções para a vizinhança do terraço em que se concentra a acção - as espreitadelas ocasionais para a baía da cidade ou cenas do bairro são sempre lufadas de ar fresco na narrativa. De qualquer forma, o olhar sobre a capital cubana ainda é bem palpável, sobretudo o humano, e o olhar que fica do país será mais justo do que demagógico, equilibrando amor e angústia, fascínio e repulsa, numa bela ode à liberdade que resiste a demonizações fáceis. Não sendo ainda o grande sucessor de "A Turma", fica facilmente entre as grandes surpresas deste Verão.

3,5/5

 

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