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Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

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Os nove odiados

Nem imperdível nem terrível... Apesar das críticas menos abonatórias, "ESQUADRÃO SUICIDA" ainda é entretenimento tragável mas percebe-se a desilusão de muitos, já que o filme de David Ayer nunca chega a tirar partido do conceito, actores e personagens que tem ao dispor.

 

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Seria desta que a DC conseguiria oferecer uma alternativa viável depois das desilusões com as últimas aventuras de Batman e Super-Homem no grande ecrã? Nesta altura, e depois de tantos filmes de super-heróis, o reinado de Christopher Nolan com a trilogia do Homem-Morcego já vai longe e, mesmo assim, deveu muito ao pequeno milagre de Heath Ledger na pele de Joker.

 

O primeiro trailer prometia, com um tom mais espirituoso e irreverente do que aquele que tem marcado o percurso recente das personagens da editora no cinema. O realizador, depois dos aconselháveis "Fim de Turno" e "Fúria", parecia ser uma escolha acertada para apresentar esta galeria de vilões ao serviço do governo em missões especiais. E nomes como Will Smith, Margot Robbie ou Jared Leto faziam deste um dos blockbusters mais bem frequentados deste Verão.

 

Mas visto o filme, torna-se difícil não partilhar da desilusão de boa parte da imprensa (e outros tantos espectadores), tal o sabor a potencial desperdiçado. O arranque com sinopses em modo videoclip é um dispositivo preguiçoso, mas que até tem alguma eficácia na introdução dos protagonistas, além de uma energia que se aproxima das vinhetas da BD com a ajuda da legendagem a agregar os dados dos vários vilões. Só que essa euforia não dura muito quando o ambiente de apocalipse urbano se impõe, atira esboços de personagens para um campo de batalha filmado sem chama e forra o resto do filme com um dos trabalhos de fotografia mais macambúzios e monocromáticos dos últimos tempos (não que o sobrevalorizado "Capitão-América: Guerra Civil" tenha sido muito mais aliciante nesse e noutros departamentos, admita-se).

 

harley_quinn

 

Se a ideia de ter os inimigos de Batman ou Flash no papel de paladinos à força é boa, o filme pouco faz com ela ao mal explorar as (demasiadas) personagens que coloca nesta missão. Viola Davis em modo implacável é uma escolha certeira para Amanda Waller, a criadora do projecto, mas a actriz não vai muito além do que mostrou (mais e melhor) como Annalise Keating em "Como Defender um Assassino". Will Smith prova que não perdeu o carisma e o seu Deadshot convence, embora não saia beneficiado por uma trama familiar sem grandes novidades ou nuances. Margot Robbie compõe uma Harley Quinn tão alucinada e vulnerável como se pedia, e por isso é pena que a sua relação com Joker seja tão pouco aprofundada - apesar de dar ao filme um dos poucos momentos de relativo deslumbre visual, num mergulho atípico em que a banda sonora não parece intrusiva.

 

Como o estatuto dos outros elementos da equipa varia entre o de secundários e figurantes, "ESQUADRÃO SUICIDA" tem sérias dificuldades em criar uma grande dinâmica entre eles. Katana, Slipknot, Captain Boomerang ou Killer Croc estão aqui mais para fazer a vontade aos fãs do que para servir o filme e o Rick Flag do esforçado Joel Kinnaman é mais muleta da narrativa do que uma figura memorável.

 

esquadrao_suicida

 

Ainda assim, qualquer personagem é preferível à vilã de Cara Delevingne, que ensopa de sobrenatural uma aventura que ganharia ao manter um tom mais cru e realista (até John Ostrander, o argumentista mais influente da história da equipa na BD, admite ter sentido falta do lado político-social associado ao grupo).

 

O desenlace com um festival de CGI dificilmente surpreenderá alguém e o pior é que, mais do que previsível, parece obrigatório - e repete a mesma combinação de vilão embaraçoso e sequências de batalha banais que enfraqueceram os finais do recente "X-Men: Apocalipse" ou do parente próximo "Guardiões da Galáxia", outra aventura com anti-heróis obrigados a trabalhar em conjunto.

 

De resto, é difícil perceber como é que um último terço tão estridente e ameaçador não colocou em alerta alguns dos super-heróis da DC que já apareceram neste universo cinemático, mas essa é só uma das muitas conveniências do argumento. Como o realizador parece ir apagando a sua influência à medida que o filme progride, salva-se o elenco, capaz de injectar algum entusiasmo a uma história fragmentada e descartável. Uma cena num bar, por exemplo, lá para o fim, sugere que poderia estar aqui outro tipo de filme, pessoal em vez de funcional, que se interessasse verdadeiramente pelas personagens que tem no centro. Mais fica para a sequela?

 

 

 

Haverá sangue

Mais discreta do que outras produções da Netflix, "BLOODLINE" não conta com o hype de "House of Cards" ou "Narcos" mas é uma das melhores apostas do serviço de streaming. E uma das grandes séries do momento, com a segunda temporada a manter o nível da primeira.

 

bloodline

 

"Não somos más pessoas, mas fizemos uma coisa má". É assim que John Rayburn, narrador da primeira temporada de "BLOODLINE", apresenta a família que protagoniza o drama da Netflix ambientado na Flórida, cujo ambiente soalheiro contrasta com o tom cada vez mais negro desta história centrada em quatro irmãos. O clã Rayburn, um dos mais respeitados da região turística na qual gere um hotel há décadas, esconde uma dose considerável de segredos e mentiras por detrás da imagem idónea que projecta, mas esse estatuto ameaça cair em degraça quando Danny, o filho mais velho, regressa a casa e não pretende voltar a deixá-la tão cedo.

 

A partir daqui, Todd A. Kessler, Glenn Kessler e Daniel Zelman, que já tinham criado "Damages", do FX, em conjunto, lançam as bases de uma trama que sabe, como poucas, inflitrar-se na rede de cumplicidades, disputas, partilha e ressentimentos das relações familiares, mérito de um argumento tão bem carpinteirado que até se dá ao luxo de avançar com um elemento-chave do desenlace da narrativa da primeira temporada logo no episódio piloto. E se esse capítulo inicial nem será o cartão de visita mais aliciante, pedindo tempo para a apresentação do ambiente e das personagens, "BLOODLINE" acaba por se ir destacando como autêntico "slow burner", insinuando-se de mansinho até se impor com uma intensidade rara.

 

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O magnetismo desta mistura de thriller lânguido e saga familiar mais contida do que operática deve-se, sobretudo, à forma hábil como os criadores doseiam figuras e acontecimentos, com flashbacks recorrentes que nunca atrapalham o ritmo e acentuam a carga dramática. Claro que este modelo narrativo centrado num acidente trágico, mostrando o antes na primeira temporada e o depois na segunda, seria inútil caso os peões do jogo se esgotassem nisso mesmo, em marionetas para fazer o argumento avançar - como acontece ocasionalmente em "House of Cards" e quase sempre em "Narcos" ou "Jessica Jones", para ficarmos por outras séries da Netflix.

 

Mas se o mistério envolve, é porque tem gente a sério lá pelo meio, para o melhor e para o pior, com as contradições evidentes na tagline da produção. "BLOODLINE" não pede que gostemos destes irmãos, dos pais e dos que os rodeiam, mas permite-nos compreendê-los enquanto os segue num acumular de tensão que estica e às vezes quebra redes de confiança. E aí o elenco é determinante, com óbvia vantagem para Ben Mendelsohn, irrepreensível como o esquivo e renegado Danny, de longe a figura mais carismática da primeira temporada.

 

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Uma das principais dúvidas ao entrar na segunda época era, de resto, se a série conseguiria manter a bitola quando o irmão mais velho dos Rayburn ficaria obrigatoriamente sem tanto tempo de antena. Mas nem é preciso avançar muito nos episódios mais recentes, estreados este ano, para perceber que os outros actores dão conta do recado, até porque as suas personagens ganham espaço para crescer - é o caso dos outros três irmãos, encarnados por Kyle Chandler, Norbert Leo Butz e Linda Cardellini, ou de grandes secundários como Chloë Sevigny, John Leguizamo e os menos sonantes mas surpreendentes Enrique Murciano e Owen Teague (este último a complementar um dos melhores castings pai/filho em muito tempo).

 

Também é bom encontrar por aqui veteranos como Sissy Spacek e Sam Shepard, na pele dos patriarcas, tão pouco vistos no grande ecrã e a comprovarem que é no pequeno que estão alguns dos desempenhos mais fortes dos últimos anos. E quando interpretações destas têm uma narrativa à altura, vincada por várias zonas de sombra, sem os maniqueísmos e simplismos de tantos outros policiais (às vezes lembrando o noir sulista de alguns filmes de John Sayles) e dando às personagens a respiração que estas merecem, torna-se difícil não apontar "BLOODLINE" como um drama de recorte superior.