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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Quando o telefone toca

sinkane

 

Músico de ascendência sudanesa, SINKANE nasceu em Inglaterra mas vive nos EUA desde a infância, onde foi cultivando parcerias tão díspares como as suas origens: Caribou, of Montreal e sobretudo os Yeasayer contam-se entre os colaboradores de Ahmed Gallab, em disco ou nos palcos, e terão tido algum peso na fusão que é marca habitual do seu percurso a solo.

 

Desde "Color Voice" (2008), o álbum de estreia, o londrino tem cruzado pop, jazz, afrobeat, soul, rock ou R&B de forma despretensiosa, muitas vezes dançável, e a festa avessa a géneros estanques parece voltar a ser o pressuposto de "Life & Livin’ It", o próximo disco, que chega já a 10 de Fevereiro.

 

"TELEPHONE", o novo single, só vem reforçar essa suspeita. Com refrão forte e metais ao alto, esta conjugação de funk e disco podia ter sido banda sonora de uma noite boémia algures anos anos 70, mas o travo clássico não impede que fique entre as canções mais bamboleantes do início de 2017. O hedonismo mantém-se no videoclip, protagonizado pela bailarina Kelly Nakamura, a quem SINKANE se dirige com algum ressentimento no meio do frenesim ("You must be alone/ Why else you calling on the phone?") captado ao longo de um plano-sequência:

 

 

O capital humano

Entre o relato coming of age e o drama familiar, "HOMENZINHOS" dá razão a quem aponta Ira Sachs como cronista hábil tanto do quotidiano de Nova Iorque como das relações humanas modernas - aqui com o factor económico a moldar aproximações e despedidas.

homenzinhos

Filmes como "Deixa as Luzes Acesas" (2012) ou o mais recente "Love Is Strange - O Amor é uma Coisa Estranha", estreado em Portugal no ano passado, ajudaram a colocar Ira Sachs entre os nomes em ascensão no cinema independente norte-americano, elogiados pelo foco no humanismo das suas crónicas em ambientes nova-iorquinos e também pela quase recusa de grandes artifícios formais.

"HOMENZINHOS", sem pretender mudar muito a mistura de drama e comédia dominante noutras obras bem acolhidas em Sundance, não trai a reputação do seu autor e até a consolida ao apresentar um retrato fluído, empático e credível ao longo dos seus 85 minutos (algo económicos mas bastante certeiros).

A partir de duas famílias do bairro de Brooklyn e do impasse em torno da renda de uma loja, Sachs acompanha o dia-a-dia dos pais, que se vai tornando sufocante à medida que esse conflito burocrático não vai tendo solução à vista, e sobretudo o dos filhos, ambos recém-chegados à adolescência. E ao fazer conviver estes dois relatos, mesmo dando prioridade ao das personagens mais novas, o realizador e argumentista consegue deixar um olhar que tanto capta a inocência, deslumbramento e entrega das primeiras amizades como vinca, pela questão financeira que afasta as duas famílias, o preço a pagar quando elementos externos ameaçam desgastar ou mesmo aniquilar uma relação.

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Não por acaso, "HOMENZINHOS" arranca com o luto em torno de uma figura que funciona como elo entre as duas famílias, mas recupera esse estado emocional ao longo de uma história em que a cumplicidade tem tanto peso como a perda. À medida que os dois adolescentes vão aprendendo, como alguém diz a certa altura, a "deixar coisas para trás", Sachs deixa uma crónica coming of age (às vezes a insinuar um coming out) mais complexa do que muitos outros dramas juvenis, vincada por uma atenção rara ao detalhe e pelo afinco de todo o elenco (a juntar veteranos como Greg Kinnear, Alfred Molina ou Paulina García à dupla de estreantes Theo Taplitz e Michael Barbieri, actores sem experiência mas nos quais é fácil acreditar).

Se vários diálogos (e atitudes) dos dois jovens protagonistas são inevitavelmente caracterizados por alguma ingenuidade, a visão do realizador é decididamente adulta, o que só torna o antagonismo familiar mais difícil de solucionar ao recusar apontar bons e maus - até porque todas as personagens acabam por sofrer as consequências da gentrificação. E daí resulta também o sabor agridoce deste pequeno filme, mais envolvente e refrescante do que muitos retratos new yorker dos últimos tempos ancorados na classe média intelectual q.b. (de Woody Allen a Noam Bachmann, adeptos de um cinismo que não mora por estes lados). Numa altura em que as salas estendem a passadeira vermelha aos prováveis nomeados aos Óscares, vale a pena olhar para o lado e dar atenção a estreias como esta.

3,5/5