Dos My Bloody Valentine aos Ride, dos Lush aos Swervedriver, não são poucas as bandas dos primeiros dias do shoegaze que têm regressado aos palcos e aos discos. À lista, que também inclui os padrinhos do género Jesus & Mary Chain (com novo álbum editado há poucos dias), juntam-se agora os SLOWDIVE, que até 2017 só tinham voltado a juntar-se para concertos.
Em Janeiro, a banda de "Souvlaki" já tinha avançado um inédito - o primeiro em 22 anos -, "Star Roving", digno sucessor da sua faceta mais efervescente, e esta semana confirnou que esse não é o único original de 2017. Há mais sete no quarto álbum dos britânicos, homónimo, que deverá chegar a 5 de Maio.
Entretanto já chegou o novo single, "SUGAR FOR THE PILL", canção mais discreta do que aquela revelada há poucos meses mas não necessariamente menos interessante. Em vez de agarrar à primeira, vai conquistando aos poucos e é daquelas valorizadas por audições repetidas, que permitem reparar melhor no entrosamento das vozes sussurrantes de Neil Halstead, a comandar o tema, e de Rachel Goswell, que o acompanha e ajuda a dar embalo ao refrão. O acesso instrumental lá para o fim, e a guitarra em particular, consolida um regresso que, para já, faz sentido, mesmo que tenham nascido muitos sucessores desta melancolia etérea nos anos que se seguiram a "Pygmalion" (1995), até aqui o último álbum do grupo. Venha Maio para termos a resposta completa, mas o videoclip também sedimenta a boa impressão inicial, sem histerias:
Tardou, mas chegou. Depois de terem editado um disco de remisturas por cada álbum de originais, os HEALTH voltam a cumprir a tradição com "DISCO3", lançado dois anos após "Death Magic". Mas além de novas visões a cargo dos Preoccupations ou Purity Ring, o alinhamento deixa alguns temas inéditos enquanto não surgem doses mais generosas de material novo.
Entre as boas novidades está a faixa de abertura e novo single, "EUPHORIA", cujo videoclip revisita os últimos dez anos dos norte-americanos com imagens de vídeos anteriores e concertos, memórias que vão bem com o tom nostálgico da letra. Já na sonoridade o grupo não faz tanta questão de olhar para trás: os ambientes próximos do noise parecem ter ficado decididamente no passado e deram lugar à pop electrónica, que começou a ganhar espaço em "Get Color" (2009) e acentuou o interesse pelo formato canção (para desgosto de muitos fãs iniciais e gáudio de uma nova geração de interessados).
Quem aderiu à fase recente da banda - algures entre Trust e os Crystal Castles e mais ancorada na voz de Jacob Duzsik - não deverá sair desiludido, até porque esta euforia sempre é mais desafiante do que muita EDM que dá mau nome à pop sintética:
Ao tentar fintar os lugares comuns do biopic, "NERUDA" opta pelo policial noir com ecos BD da época "Mundo de Aventuras". O resultado é o filme mais lúdico de Pablo Larraín, mas os sublinhados de metaficção quase eclipsam o retrato do poeta e político.
Embora seja anterior a "Jackie", o filme biográfico centrado em Pablo Neruda assinado pelo realizador de "Tony Manero" (2008) estreia em Portugal depois do olhar do chileno sobre Jacqueline Kennedy. E com muito menos pompa e circunstância do que a que acolheu a chegada do filme protagonizado por Natalie Portman, a contar com o embalo da nomeação para o Óscar de Melhor Actriz.
Mas se "Jackie" era um retrato demasiado sisudo e convencional, assim como o filme mais incaracterístico do cineasta que até aqui só tinha olhado para a sociedade chilena, "NERUDA" é bastante mais solto e arejado - e sobretudo mais inventivo. Tal como esse outro biopic, foca um período muito específico da vida do protagonista - a fuga, juntamente com a mulher, depois de críticas ao governo no final dos anos 40 -, embora dispense o tom contemplativo e aposte num ritmo às vezes alucinante (e alucinado) a milhas do formato docudrama "de prestígio" - que seria o mais óbvio para uma figura com um peso tão forte na política e na literatura.
Longe de um objecto reverente e hagiográfico, "NERUDA" prefere dar a conhecer o homem em vez da lenda, para o melhor e para o pior, tentativa bem sucedida tanto pelo argumento (que consegue dizer muito durante um período temporal relativamente curto) como pela direcção de actores (Luis Gnecco emana a combinação de carisma, orgulho e insolência que a personagem pede; Mercedes Morán está à altura na pele da pintora Delia del Carril, decisiva para um retrato conjugal que ajuda a ancorar emocionalmente o protagonista).
Enquanto Larraín salienta o papel inspirador que Neruda teve na unificação da resistência comunista chilena, também aponta o seu estatuto relativamente privilegiado face a muitos dos seus camaradas, ambivalência reforçada pela narrativa paralela que acompanha o inspector responsável pela sua captura. Interpretado por Gael García Bernal, Óscar Peluchonneau surge quase como uma personagem de papelão, tendo em conta as cenas realistas q.b. do protagonista e da mulher. Mas o facto de o polícia obstinado ser pouco mais do que um arquétipo, pelo menos ao início, faz todo o sentido pela forma como "NERUDA" remata a combinação de realidade, ficção e metaficção, com direito a cruzamento de duas vozes em off e perspectivas igualmente entrecruzadas.
Às tantas, mais do que um filme sobre a história de Pablo Neruda, sai daqui um ensaio sobre como contar uma história e como ficar na História. Não é necessariamente uma má troca e o risco merece elogios, mas o resultado fica um pouco aquém da ambição. O terceiro acto, já em território quase western depois de um jogo do gato e do rato em cenário urbano, perde alguma desenvoltura quando não só se leva demasiado a sério como insiste em esmiuçar a vertente metaficcional, abordada com outra subtileza em sequências anteriores.
Por outro lado, este desenlace acaba por fazer justiça à personagem de Gael García Bernal e ao empenho do actor num papel ingrato até certo ponto, tornando a sua presença menos opaca para o espectador. E se for esse o preço a pagar por um biopic tão curioso e fora dos eixos como este, e tão envolvente durante quase duas horas, chega e sobra para desejar que Larraín siga o exemplo do poeta e volte a casa - ao contrário da experiência fora de portas, aqui não lhe falta inspiração.