De uma assentada, os ALGIERS estrearam o novo single e videoclip e ainda anunciaram o disco que a canção apresenta. "THE UNDERSIDE OF POWER", o segundo álbum da banda de Atlanta, está agendado para 23 de Junho. E se mantiver a linha do tema homónimo parte directamente de onde "Algiers" tinha ficado em 2015, com um caldeirão (quase sempre e escaldar) de rock, soul, pós-punk, gospel e condimentos industriais.
O disco do trio tornado quarteto (com a adição de Matt Long, ex-baterista dos Bloc Party) tem Adrian Utley, dos Portishead, entre os produtores enquanto que Randall Dunn, dos Sunn O))), assegura a mistura. Por agora, tanto um como o outro parecem dedicados em manter a urgência e intensidade do grupo, num single flamejante e de refrão orelhudo que abre a porta para canções inspiradas na violência e racismo da cidade natal do projecto ou no desnorte europeu pós-Brexit (registado a partir de Londres, onde reside parte da banda).
As imagens de "THE UNDERSIDE OF POWER" reforçam ainda mais a consciência social que os Algiers já demarcavam na estreia, alternando entre uma narrativa com o grupo na pele da resistência num bunker e excertos saídos dos arquivos da luta pelos direitos civis. Se a música ainda é uma arma, pode vir aí uma das granadas do ano:
O filme certo no momento certo. Numa altura em que as eleições francesas deixam a Europa sobressaltada, Lucas Belvaux mergulha - com convicção e de forma convincente - na epidemia de movimentos populistas em "ESTA TERRA É NOSSA".
Marine Le Pen acusa o novo filme do cineasta de "Um Casal Encantador" de a reduzir a uma caricatura, com o único propósito de denegrir a imagem da Frente Nacional. Lucas Belvaux rebate e garante que, mesmo sendo um exercício ficcional, "ESTA TERRA É NOSSA" não toma grandes liberdades criativas na caracterização do modus operandi do partido que surge neste drama como equivalente ao da candidata às eleições presidenciais francesas.
De facto, não há aqui grandes subtilezas no contraste entre a realidade e a ficção. Uma das personagens secundárias é obviamente decalcada da mulher que deu novo embalo à extrema-direita, das características físicas e trejeitos à retórica nacionalista e alarmista, e Belvaux não hesita muito em associá-la a traços de frieza e calculismo. Mas esse elemento é só parte de um quadro bem mais vasto e, mais importante, quase sempre bem sucedido na aversão a maniqueísmos fáceis.
Ao partir do quotidiano de uma jovem enfermeira altruísta, respeitada numa pequena localidade do norte francês, que acaba por se tornar candidata às eleições autárquicas através de um partido muito semelhante à Frente Nacional, "ESTA TERRA É NOSSA" faz uma esclarecedora radiografia das tensões políticas, sociais e culturais que se têm replicado em muitas sociedades do ocidente (com o desemprego e os fluxos migratórios crescentes à cabeça).
Se é verdade que, por vezes, essa lógica de estudo de caso torna a narrativa algo mecânica, Belvaux compensa a relativa indistinção formal com um efeito realista bastante certeiro, desde logo ao entregar o papel protagonista a Émile Duquenne. A actriz é tão segura no misto de voluntarismo, resiliência e deslumbramento que quase faz esquecer a não tão verosímil ingenuidade de algumas atitudes da sua personagem na segunda metade do filme.
Com um leque de secundários à altura, tantos nas caracterizações como nas interpretações, a "sósia" de Marine Le Pen acaba por ser uma limitação menor na forma como Belvaux dá conta do universo familiar e comunitário da protagonista - enriquecido pelo retrato do pai, militante comunista; do novo companheiro, com um passado ligado a uma facção neonazi (e a conceder ao drama uma curiosa costela de thriller); ou dos adolescentes que lidam como podem e sabem com estes conflitos.
Que o filme olhe para este universo particular, muitas vezes simplificado na ficção ou nos telejornais, sem abdicar da empatia pela maioria das personagens - mesmo que não prescinda de sentido crítico nas entrelinhas -, é uma qualidade decisiva de uma história facilmente compatível com um panfleto de boas intenções ou um retrato ácido e cínico.
"ESTA TERRA É NOSSA" também tem a vantagem de não se esgotar no tema, num exemplo de realismo social mais próximo do aconselhável "Eu, Daniel Blake", de Ken Loach, do que do demasiado plano "São Jorge", de Marco Martins, outros dramas recentes que tentaram captar o ar do tempo na "nova" Europa desviando o foco para os mais desfavorecidos. Se as eleições francesas têm de marcar o ano também no cinema, que seja com um filme assim...
Saudades de "Black Cherry" (2003) e "Supernature" (2005)? Os GOLDFRAPP parecem ter algumas e arrancam o novo álbum, "Silver Eye", com canções que não destoariam nos seus dois discos mais electrónicos e dançáveis.
Além de faixa de abertura, "Anymore" foi o primeiro single, com uma eficácia para as pistas que o duo britânico não mostrava há muito. "SYSTEMAGIC" segue-lhe os passos noutro acesso pulsante e contagiante, com Alison Goldfrapp a revisitar a faceta de diva electro depois dos cenários mais serenos de "Tales of Us" (2013) enquanto Will Gregory prova que não perdeu a mão para ambientes hedonistas.
Hedonismo, de resto, é o que não falta no videoclip do tema, acabado de estrear e dirigido pela própria cantora. Centrado numa coreografia de illyr, nome em ascenção no universo das artes de palco, leva mais longe as ideias cénicas já apresentadas pela dupla ao vivo no programa "Later... with Jools Holland", há poucos dias, e faz lembrar os híbridos de música e imagem dos extintos Kazaky. Entretanto também lembra que os Goldfrapp não actuam em Portugal há uns tempos e que não era nada mau vê-los nesta digressão - até porque grande parte de "Silver Eye" está facilmente entre o melhor que já fizeram.