Uma história simples (e artesanal)
Nomeado para o Óscar de Melhor Filme de Animação, "A MINHA VIDA DE COURGETTE" é das melhores propostas dos 7 aos 77 em cartaz, depois de ter ganho o Grande Prémio da Monstra este ano. E merece ter público à altura dos elogios.
Apesar da estreia relativamente discreta por cá, a primeira longa-metragem do suíço Claude Barras despertou atenções em Cannes, onde foi exibida no ano passado, e acumulou distinções nos Césares ou nos Prémios do Cinema Europeu, além de ter sido nomeada para uma estatueta dourada.
O aplauso crítico é mais do que merecido, mas "A MINHA VIDA DE COURGETTE" também é um filme com potencial para agradar a um público igualmente vasto, pela forma como propõe uma história de recorte clássico, ancorada na infância e na diferença, apresentada com ideias visuais fortes (em stop motion, com marionetas animadas fotograma a fotograma) e uma maturidade emocional que não a restringe aos espectadores mais jovens.
O arranque, aliás, é logo um exemplo de economia narrativa de uma obra que não precisa de muito mais de uma hora para expressar o que tem a dizer. E consegue dizer bastante, desde um início vincado pela solidão e pela tragédia - a deixar claro que este não é um filme de animação inócuo - até ao processo de adaptação do protagonista, Icare (mas que prefere ser chamado de Courgette), um órfão entregue a um centro de acolhimento infantil.
Várias vezes melancólica sem nunca deixar de ser calorosa, a fita baseia-se no livro "Autobiographie d'Une Courgette" (2002), do francês Gilles Paris, e conta com argumento adaptado pela conterrânea Céline Sciamma, já habituada aos universos da infância e da adolência depois de ter realizado os dramas "Naissance des pieuvres", "Maria-Rapaz" e "Bando de Raparigas".
Claude Barras também se saiu bem na escolha de outros colaboradores. É o caso da cantautora suíça Sophie Hunger, que assina a banda sonora instrumental, entre a folk e o rock, e canta ainda uma bela versão de "Le Vent nous emportera", dos Noir Désir. Tão ou mais inesperados (e certeiros) são os acessos punk, através de "Salut à toi", dos franceses Bérurier Noir, e sobretudo new wave, com o irresistível "Eisbar", dos suíços Grauzone, a animar uma festa no meio das montanhas.
Esta conjugação inspirada entre um argumento seguro, atento a questões sociais (até passa pelo tema das migrações europeias com subtileza), e um cuidado sonoro tão ou mais acentuado (não só na música mas também pelas vozes das personagens) valoriza ainda mais o trabalho de animação artesanal, a implicar uma dedicação rara nos tempos que correm. A produção demorou três anos e o resultado final espelha essa paciência e minúcia sem nunca ser ostensivo, equilibrando técnica e coração numa história de desajustados emotiva mas enxuta. Venha o que vier, está aqui um dos filmes mais bonitos do ano...
3,5/5