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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

A melhor defesa é baixar as expectativas

Demolidor, Jessica Jones, Luke Cage e Punho de Ferro finalmente juntos no pequeno ecrã, depois de aventuras em nome próprio? O encontro é o maior trunfo de "OS DEFENSORES", mas também é quase o único de uma minissérie que não tem muito para oferecer.

 

Os_Defensores

 

A montanha pariu um rato, embora o problema já venha de trás. Se a primeira temporada de "Demolidor", estreada há dois anos, pareceu impor um novo patamar nas adaptações de super-heróis, numa parceria promissora entre a Marvel e a Netflix que trouxe um tom mais urbano, realista e adulto, as apostas seguintes do serviço de streaming no mesmo universo não se mostaram tão aliciantes.

 

"Jessica Jones", embora muito elogiada pela suposta vertente feminista, arrastou-se ao longo de 13 episódios assentes sempre no mesmo vilão e em personagens secundárias a milhas das da saga de Matt Murdock. "Luke Cage" valeu pelo olhar sobre a comunidade afro-americana, mas também teve dificuldades em justificar a duração face ao que tinha para dizer. "Punho de Ferro", a adaptação mais criticada, seguiu por um caminho juvenil e despretensioso sem deixar grandes saudades. Já a segunda temporada de "Demolidor" até ficou na memória pela versão credível do Justiceiro, novidade infelizmente sabotada por uma Elektra esquecível.  

 

Um dos problemas de "OS DEFENSORES" é, aliás, o regresso da anti-heroína criada por Frank Miller, que não teve grande sorte na BD (a Marvel nunca soube o que fazer com ela depois das primeiras aventuras) e muito menos nos ecrãs. A versão televisiva pode não ter sido tão desastrosa como a cinematográfica, mas a actriz Élodie Yung está longe de emanar o lado esquivo, empolgante e sinuoso que a personagem pedia, embora o argumento também não a ajude muito.

 

Marvel's The Defenders

 

O reencontro de Elektra e Matt Murdock limita-se a repetir a dinâmica que já não era convincente na segunda temporada de "Demolidor" e que aqui se torna ainda mais cansativa. Pior ainda, o envolvimento com a Mão faz com que essa organização milenar e poderosa seja reduzida a um grupelho de vilões amadores, resultado especialmente penoso quando um dos principais motivos para insistir nos dois primeiros episódios (os mais dispersos e soporíferos) é Sigourney Weaver, que acaba por ser desperdiçada no papel de Alexandra, a nova antagonista (personagem que vive mais da entrega da actriz do que do esmero do argumento).

 

Incapaz de dar condimentos especiais à enésima ameaça a Nova Iorque, "OS DEFENSORES" sai-se melhor quando se concentra nas interacções da equipa, entre avanços e recuos, conflitos de personalidade e cumplicidades insperadas (mais para as personagens do que para fãs que reconhecerão algumas alianças da BD, de protagonistas como Luke Cage e Punho de Ferro a secundárias como Misty Knight e Colleen Wing).

 

Os_Defensores_2

 

A reunião até traz um pormenor visual curioso, ao conjugar na mesma saga as tonalidades reconhecíveis das séries de cada super-herói (escarlate para "Demolidor", azul para "Jessica Jones", dourado para "Luke Cage", verde para "Punho de Ferro"). Quando as histórias individuais se cruzam num restaurante chinês, ao quarto episódio, a iluminação do espaço vai-se moldando à paleta cromática associada às personagens, numa escolha que revela uma atenção ao detalhe sem paralelos num argumento rotineiro ou numa realização geralmente indistinta (e quanto menos se falar de alguns diálogos, melhor).

 

Em vez de ficar como uma saga marcante, "OS DEFENSORES" lembra os muitos encontros inconsequentes de super-heróis na BD, onde a graça está mais na junção das personagens do que no que as envolve. Se não se esperar mais do que isso, até diverte. E como só tem oito episódios em vez dos habituais 13, também não chega a maçar assim tanto...

 

2/5

 

 

Caminho para a salvação

Ancorado numa das melhores interpretações de James Franco, "O MEU NOME É MICHAEL" adapta uma história verídica que parte de um conflito interior entre espiritualidade e (homos)sexualidade. A viagem identitária é irregular, mas recompensadora.

 

I_Am_Michael

 

Quando boa parte do cinema LGBTI ainda insiste em repetir variações sobre relatos coming out ou boy meets boy, a estreia de Justin Kelly nas longas-metragens tem desde logo a vantagem da premissa.

 

A vida de Michael Glatze, activista e jornalista gay com um percurso marcado pela defesa dos direitos homossexuais (incluindo a criação de uma publicação temática) que acabaria por se tornar num pastor cristão fundamentalista, é um ponto de partida aliciante para um biopic. O nome de Gus Vant Sant na produção executiva também é promissor. E o elenco, encabeçado por um James Franco surpreendente ao lado dos confiáveis Zachary Quinto e Emma Roberts, ajuda ainda mais.

 

Mesmo assim, "O MEU NOME É MICHAEL" é daqueles casos em que a execução fica uns furos abaixo do mote, a que não será alheio o facto de se tratar de uma primeira obra. Baseado num artigo da The New York Times Magazine escrito por Benoit Denizet-Lewis, antigo amigo do protagonista, o filme tem sido criticado, e com alguma razão, pela vertente demasiado episódica ou pela narração em off (sobretudo na primeira metade). Mas se estes recursos são duas das maiores limitações de dramas biográficos, aqui quebram algum do potencial sem retirarem a força de um estudo de personagem atípico.

 

I_am_Michael_2

 

O olhar digressivo sobre vários anos do retratado impede que algumas fases sejam tão explorados como mereciam, embora não comprometa a espiral descendente que o desempenho de James Franco ajuda a tornar credível e suficientemente inquietante - e a voz off até se perdoa quando é uma porta de entrada para os posts do blog de Glatze, aos quais o realizador recorre de forma comedida.

 

Além da pontaria para o tema e elenco, o maior trunfo de Justin Kelly é a resistência a maniqueísmos numa história que poderia ser facilmente reduzida a um tom sensacionalista ou a um panfleto LGBTI. "O MEU NOME É MICHAEL" opta pela empatia e pela ambiguidade, mantendo o espectador ao lado do protagonista sem se conformar com um relato acrítico - pelo contrário, é bastante directo ao apontar a estranheza que vai dominando Glatze na segunda metade do filme, tendo o mérito adicional de contar com um actor capaz de a agarrar sem histrionismos.

 

Do tom inicial mais garrido, vincado por uma montagem electrizante q.b. e uma intromissão documental oportuna, até à implosão que se segue no confronto com a vertigem da morte, o retrato acaba por conseguir traduzir a visão de um homem cuja necessidade de pertença surge atormentada pela dúvida e pela fuga obstinada a rótulos, sejam religiosos ou sexuais. E enquanto acompanha o seu desespero ao tentar conjugar dois mundos aparentemente incompatíveis, apresenta um realizador interessado em dar novos mundos ao cinema queer (como "King Cobra", o filme seguinte, também com James Franco, confirmou no ano passado - embora tenha chegado a Portugal apenas pela Netflix).

 

3/5

 

 

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