O lado selvagem
"O QUADRADO" confirma o interesse de Ruben Östlund por situações-limite, falhas morais e humor truculento, mas apesar do embalo da Palma de Ouro em Cannes, o novo filme do realizador sueco tem tanto de estimulante como de frustrante.
Apresentado a um público mais vasto ao quarto filme, o bem recomendável "Força Maior", há três anos, Ruben Östlund tem despertado atenções ainda maiores com o seu ensaio mais recente, e novamente cínico q.b., sobre as assimetrias e hipocrisias do mundo ocidental contemporâneo.
Mas se a fita anterior era um drama (polvilhado por alguma comédia negra) relativamente contido e conciso, não falta pompa e circunstância a "O QUADRADO", obra com uma estrutura mais fragmentada e episódica e uma ambição formal e temática reforçada.
Do fosso entre o individualismo e o altruísmo ao olhar sobre tendências da arte moderna, passando pela crise migratória, pelos limites do politicamente correcto ou por um retrato das relações laborais e familiares, não faltam temas da ordem do dia, cujo aglomerado deve ter contado alguma coisa para distinções como a da mais recente edição do Festival de Cannes.
Sim, este é um relato muito do seu (nosso) tempo e Östlund faz questão de salientar que também tem muito a dizer. Mas o que diz, ou a forma como opta por o dizer, nem sempre é tão interessante, desconcertante ou consequente como parece querer dar a entender.
Mesmo que não faltem aqui cenas inspiradas, no seu melhor "O QUADRADO" não chega a ser tão astuto nem incisivo como os episódios mais memoráveis de "Força Maior", por muito que o realizador tenha pontaria para vinhetas dominadas pelo sarcasmo e desconforto.
Sequências como as que se atiram, sem reservas, a uma suposta sátira aos ridículos da arte contemporânea não são tão subtis nem originais como se esperaria, e os resultados tornam-se ainda mais irregulares quando, noutros momentos, Östlund trata os refugiados como marionetas do seu ensaio com qualquer coisa de laboratorial (ainda que o filme acabe por assumir essa limitação mais à frente).
Por outro lado, os desequilíbrios são parcialmente compensados quando "O QUADRADO" acaba por ser menos obstinadamente misantrópico do que o que sugere na primeira metade, já que o quotidiano conturbado do protagonista, o curador de arte de um museu, vai encontrando um caminho humanista no meio da frieza emocional. E à medida que a personagem, bem encarnada por Claes Bang, se vai revelando ambígua e complexa, o realizador distancia-se dos habitualmente comparados Lars Von Trier ou Michael Haneke, muito mais implácáveis e pessimistas quando mergulham na condição humana.
Curiosamente, "O QUADRADO" até chega a ser mais contundente e ácido nos pequenos momentos e detalhes do quotidiano, como o de uma esclarecedora conversa a dois sobre assédio sexual, do que nas muito comentadas longas sequências, caso daquela que desmascara o animal social num jantar de gala da elite supostamente esclarecida. Östlund quer tanto impor-se como agente provocador que às vezes se perde em sublinhados num filme que ultrapassa, desnecessariamente, as duas horas de duração, mesmo que deixe um desafio que se segue sempre com alguma curiosidade.
3/5