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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Dias de festa numa casa global

Holy Nothing

 

Foi uma das aventuras musicais mais ambiciosas do ano e juntou 74 artistas nacionais e asiáticos. Editada em Abril, a caixa do projecto T(H)REE retomou a ideia de David Valentim desenvolvida a partir de 2010 e incluiu o terceiro, quarto e quinto volumes da série de colaborações entre músicos portugueses (como Old Jerusalem, Jibóia, Surma ou Peixe) e da Índia, Cazaquistão ou Emirados Árabes Unidos, entre outros.

 

Depois de "Nura Pakang", encontro entre os Clã e a indiana Mangka, a nova aposta oficial de "T(H)REE - A  Musical Journey from Portugal to Asia" é a canção criada pelos HOLY NOTHING e MUHAISNAH FOUR, artista filipino sediado no Dubai. Mais linear do que a maioria dos temas da banda portuense, também tem maior potencial de single num exemplo de electrónica dançável que dificilmente sugere o cruzamento de nacionalidades dos autores.

 

Mas se não é dos exemplos mais idiossincráticos de T(H)REE, "HOME" funciona como boa porta de entrada para a caixa cuja receitas revertem para a "Make a Wish Portugal". E o videoclip chega na altura certa, ao acompanhar o protagonista entre celebrações natalícias (e outras) num relato que cruza solidão e comunhão, festa e alienação, numa proposta a cargo de Leonor Alexandrino, Daniel Ferreira, Jéssica Carriço e João Marques, estudantes finalistas de Cinema na Universidade Lusófona de Lisboa:

 

 

Miguel do outro lado do muro

Primeira surpresa: o novo filme da Pixar não é uma sequela. Segunda surpresa: além de uma história original, "COCO" é uma fábula para toda a família que consegue encantar sem ter medo de inquietar miúdos e até graúdos. A premissa pode partir do Dia dos Mortos, mas está aqui a melhor proposta dos 7 aos 77 para este Natal.

 

Coco

 

Se "Divertida-mente" voltou a elevar, há dois anos, a fasquia da Pixar, depois de alguns títulos menos marcantes, de então para cá os estúdios pareciam ter voltado a jogar pelo seguro. "A Viagem de Arlo" (2015) ainda tinha o mérito de ser uma história original, embora corresse poucos riscos ao longo de uma jornada demasiado familiar, mas "À Procura de Dory" (2016) e "Carros 3" (2017) antecipavam um rumo cada vez mais assente no conformismo e na revisitação de glórias de outros tempos.

 

Felizmente, essas sequelas foram, afinal, pistas falsas, a julgar por "COCO", que traz uma considerável (e necessária) lufada de ar fresco a um dos novos pilares do império Disney. O novo filme de Lee Unkrich ("Monstros e Companhia", "À Procura de Nemo", "Toy Story" 2 e 3), realizado em colaboração com o estreante Adrian Molina, parte de cenários e situações reconhecíveis mas aos poucos vai construindo um mundo que justifica em pleno a adesão a esta aventura.

 

Até constrói dois mundos, aliás. O da realidade de uma pequena localidade mexicana, ancorado na família de Miguel, um rapaz de 12 anos, e o Mundo dos Mortos, para onde o protagonista viaja acidentalmente enquanto tenta esconder-se da família, que quer demovê-lo da ambição de ser músico para se tornar sapateiro (seguindo assim os passos dos seus antecessores).

 

Coco_3

 

Ao longo do primeiro terço, "COCO" não foge muito à narrativa, já vista e revista (no universo Disney e não só), do jovem decidido a perseguir os seus sonhos, independentemente dos entraves, sobretudo familiares. E se é verdade que, mais à frente, ainda há por aqui uma história de unir os pontos, com direito a uma sucessão de ameaças, picos e perseguições, o filme vai ganhando uma densidade dramática inesperada enquanto se afasta da premissa e deixa um olhar, tão imaginativo como comovente, da vida e da morte (e da vida depois da morte). 

 

Onde "Divertida-mente" lidava com a memória partindo da infância e do crescimento, aqui o foco concentra-se no envelhecimento, na perda e nas heranças familiares. E a dupla de realizadores faz acompanhar essa viagem com um deslumbre visual assente nas tradições mexicanas, em especial no Dia dos Mortos, no qual as famílias recordam e homenageiam os seus antepassados.

 

No meio das inevitáveis canções (com um igualmente inevitável travo mariachi), dos gags que condimentam as peripécias de Miguel e das muitas referências à cultura do seu país (nem faltam cameos de Frida Kahlo), "COCO" não teme fazer viragens para o sobrenatural com uma crueza rara nestes tempos de tanta animação homogeneizada, calculada ao milímetro para não ferir susceptibilidades.

 

Coco_2

 

Unkrich e Molina apostam numa variação bem curiosa e personalizada de um imaginário à la Tim Burton, mas o prodígio técnico dos espaços, movimentos e caracterizações nunca ofusca a verdade emocional que passa pela galeria de personagens (mesmo que algumas pudessem ter sido mais exploradas numa narrativa que raramente tira o pé do acelerador) e por um argumento que guarda os trunfos para o último terço do filme (reviravoltas incluídas, embora nem sejam o mais importante aqui). 

 

O final de "COCO", então, é daqueles para deixar pais e filhos (ou bisavós e bisnetos) com o coração nas mãos, além de algumas lágrimas nos olhos, sem que o gesto seja sinónimo de oportunismo manipulador. Pelo contrário, é um remate plenamente merecido depois de tudo o que os realizadores foram moldando, com a sensibilidade e criatividade que se espera de uma proposta da Pixar. Desta vez, a tradição ainda é o que era.

 

 3,5/5