Imitação da vida
Ancorado nos desempenhos de Annette Bening e de um surpreendente Jamie Bell, "AS ESTRELAS NÃO MORREM EM LIVERPOOL" revisita os últimos dias da actriz Gloria Grahame num biopic mais imaginativo do que o habitual. E é, provavelmente, o filme mais conseguido do escocês Paul McGuigan.
Modesto, mas caloroso, este drama baseado no livro homónimo do actor britânico Peter Turner partilha a história da sua relação com Gloria Grahame, ícone de Hollywood 30 anos mais velha que tem aqui um relato íntimo da sua fase menos mediática - a que sucedeu a papéis em filmes como "Do Céu Caiu Uma Estrela", "Matar ou Não Matar" ou "Cativos do Mal", este último a valer-lhe o Óscar de Melhor Actriz Secundária em 1953.
Enquanto outros biopics tentam concentrar a vida do retratado em cerca de duas horas, "AS ESTRELAS NÃO MORREM EM LIVERPOOL" segue os passos do livro e debruça-se no início e fim do último relacionamento amoroso de Grahame, contados não necessariamente por essa ordem numa narrativa que recusa a linearidade de demasiadas propostas do género. Essa tentativa de fuga ao academismo marca também a forma como Paul McGuigan conjuga o artifício cinematográfico com uma história baseada em factos verídicos, em especial nas transições entre sequências que cruzam tempos e espaços, de meados dos anos 70 a inícios de 80 ou dos EUA a Inglaterra - e Liverpool em particular, cidade natal de Peter Turner e também aquela onde conheceu a actriz.
O realizador escocês, cujo currículo dos últimos anos inclui séries televisivas e filmes de acção (como "Push - Os Poderosos" ou o curioso "Há Dias de Azar"), estava longe de ser uma escolha óbvia para este relato, mas consegue dar alguma sensibilidade e personalidade a uma crónica conjugal atormentada pela frustração e, a certa altura, pela doença. E se na segunda metade do filme não chega a afastar a narrativa de cenários familiares q.b. de casos da vida com a morte à espreita, antes de lá chegar desenha os altos e baixos de uma relação com algum fulgor, como numa cena de dança caseira a aliar simplicidade, empatia e criatividade.
O carinho óbvio que McGuigan tem pelo casal, assim como a admiração pela figura e obra de Grahame, sai reforçado pela direcção de actores, impecável dos protagonistas aos secundários. E como Annette Bening já não terá nada a provar a ninguém, encarnando aqui tanto a faceta mais luminosa como vulnerável de outro ícone de Hollywood, a grande surpresa do filme até acaba por ser Jamie Bell, comovente na pele de Peter Turner e decisivo para que este biopic tenha um peso emocional acima da média. Afinal o já distante "Billy Elliott" (2000) não enganava, ainda há por aqui um actor apesar de muitas escolhas pouco certeiras desde esse filme revelação.
Embora "AS ESTRELAS NÃO MORREM EM LIVERPOOL" nunca chegue a confirmar o rasgo formal que as primeiras sequências insinuam, as presenças de Bening e Bell, juntamente com as de Julie Walters ou Vanessa Redgrave em pequenos papéis, compensam a vertente mais mecânica de "filme de doença" que se instala mais para o final ou redundâncias ocasionais nas cenas a dois. Mas infelizmente (e ironicamente) nem elas deverão ser suficientes para que este olhar sobre a vida pós-fama sobressaia na temporada da corrida às estatuetas da "grande festa do cinema"...
3/5