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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

A vida dele deu um filme (e um livro e uma peça)

Primeiro grande filme a estrear por cá em 2018? Baseando-se na história verídica do escritor Édouard Louis, "MARVIN" é um relato da homofobia iluminado pela entrega à arte num regresso muito inspirado de Anne Fontaine. E como bónus tem Isabelle Huppert no papel de... Isabelle Huppert!

Marvin

"MARVIN" nasce de um parto difícil, já que apesar de se basear em "Acabar com Eddy Bellegueule" (2014), livro-sensação do jovem escritor francês Édouard Louis, acabou por ficar marcado por divergências criativas entre o autor e a realizadora, obrigando Anne Fontaine a mudar, por exemplo, os nomes de todas as personagens.

Mas embora a narrativa deste drama seja fragmentada, o resultado está longe de parecer o de um filme alvo de amputações ou remendos. Pelo contrário: uma das suas forças é mesmo a de nunca se tornar disperso ou rocambolesco enquanto saltita entre várias fases da vida do protagonista - da infância aos primeiros anos da idade adulta, de passagens pela adolescência a cenas meta-referenciais com narração do próprio.

Elogio, então, para a montagem hábil de Anne Fontaine, que revela aqui uma fluidez impressionante (mas nunca ostensiva) no recurso aos flashbacks, mostrando saber como contar uma história que, no papel, não se desvia muito de outros casos (reais ou não) de intolerância, homofobia e solidão. Mas se "MARVIN" nunca chega a ser um retrato LGBTQ especialmente trangressor, é muito conseguido ao aliar cenários reconhecíveis às particularidades da vida do protagonista, desconstruindo alguns estereótipos pelo caminho.

Marvin enfant

A narrativa do rapaz tímido e ostracizado do interior deslumbrado pela liberdade e possibilidades da grande cidade ganha aqui um novo marco, sobretudo pela forma inteligente como Fontaine lida com o bullying (sem o carácter unilateral de "Moonlight", recusando maniqueísmos), com o olhar sobre a família e a pequena comunidade (a revelar a maturidade a ambivalência que faltou a "Tão Só o Fim do Mundo") ou com a arte, em especial a escrita e o teatro, enquanto refúgio de um quotidiano pouco auspicioso (mas sem a postura meio emproada de "Chama-me pelo Teu Nome").

Outro trunfo é o elenco inatacável, com destaque para o casting muito feliz dos dois actores que dão corpo ao protagonista. Finnegan Oldfield e Jules Porier, o Marvin adulto e criança, respectivamente, emanam ambos uma combinação de vulnerabilidade e obstinação tão ou mais decisiva para o papel do que as semelhanças físicas. E nos secundários há nomes como Vincent Macaigne, Grégory Gadebois ou Catherine Salée, que ajudam a desenhar figuras de corpo inteiro em vez de meras muletas do percurso da principal.

Marvin Huppert

Desses pilares da jornada de Marvin há um que surge, acidentalmente, como decisivo: Isabelle Huppert, igual a ela própria, que o ajuda a procurar a salvação pela arte depois de outros anjos da guarda o terem encaminhado, numa fase em que a vida do protagonista alimenta o palco. Essa partilha e encorajamento, desde a escola a um futuro mais boémio, é das ideias mais bonitas do filme e felizmente Fontaine consegue passá-la sem nunca forçar a nota.

Chega a ser admirável, aliás, que "MARVIN" consiga manter um tom assumidamente esperançoso sem deixar de ser verosímil, abraçando as personagens mas recusando soluções fáceis (como já acontecia no também meritório "Agnus Dei - As Inocentes", o filme anterior da realizadora). E no final, uma canção de Lisa Gerrard relembra que ainda há por aqui uma bela (e nada óbvia) banda sonora - incluindo o clássico "Sexual Healing", de Marvin Gaye, numa das cenas mais delirantes...

 4/5

Um single que pode fazer a diferença

Girls In Hawaii

 

"Nocturne", o quinto álbum dos GIRLS IN HAWAII, chegou sem grande alarido em Setembro do ano passado, como aliás costuma acontecer com os discos de um grupo longe de novato - formou-se em 2001 -, embora ainda demasiado discreto.

 

Mas tal como nos registos anteriores, vale a pena dar alguma atenção às novidades do sexteto belga, que apesar de geralmente não se afastar muito de territórios que os conterrâneos dEUS já percorreram (nas fases mais contidas), é uma banda sonora aconselhável para dias caseiros enquanto chove lá fora (pelo menos desde os tempos da memorável "Misses"). 

 

O novo single, por exemplo, é um bom motivo para (re)visitar o álbum. A marcar uma viragem para ambientes sintéticos - ate aqui quase sempre complemento de uma música mais assente nas guitarras -, "INDIFFERENCE" é uma bela aposta na indietronica entre o dançável e o contemplativo, na linha de Erlend Øye ou da faceta serena dos Röyksopp dos primeiros dias. E parece soar ainda melhor quando conta com um dos videoclips mais criativos e elaborados dos últimos tempos, ainda que sem abdicar da sobriedade que já fará parte do ADN do grupo: