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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Uma casa no fim do mundo

O tema é urgente, mas o filme não vale só por isso: "NA SÍRIA" é um retrato tão sufocante como humanista de duas famílias atormentadas pela guerra enquanto partilham o mesmo apartamento. Um quotidiano assustador exemplarmente acompanhado pela câmara de Philippe Van Leeuw.

 

Na Síria 2

 

A guerra está lá fora, mas pode entrar em casa a qualquer momento. É esta a ideia que percorre "NA SÍRIA" ao longo de quase hora e meia, duração que concentra um dia na vida dos protagonistas do novo filme de Philippe Van Leeuw. O realizador belga, com um percurso mais preenchido enquanto director de fotografia (desde inícios dos anos 90), aventura-se aqui na sua segunda longa-metragem, da qual também assina o argumento, depois de ter mergulhado no genocídio do Ruanda em "Le jour où Dieu est parti en voyage" (2009).

 

Cinema de causas? Sem dúvida, embora mais movido por uma pulsão humanista do que por um panfleto pró ou contra as facções envolvidas num dos conflitos mais mediáticos dos últimos anos, com visões muitas vezes estereotipadas pelo cenário caótico dos telejornais.

 

Não é que "NA SÍRIA" se afaste do caos, pelo contrário, mas um dos seus elementos mais interessantes é a forma como mostra personagens decididas a manter uma rotina doméstica imune à ameaça que se alastra lá fora - tendo em conta que não faltam atiradores e ladrões no bairro deste apartamento em Damasco -, por muito que o seu dia-a-dia seja cada vez mais precário.

 

Na Síria 3

 

Saindo de casa apenas durante poucos minutos, a câmara de Van Leeuw segue de perto uma mulher da classe média que aguarda o regresso do marido enquanto tenta evitar que o pânico contamine os três filhos, o namorado adolescente de uma das filhas, a empregada, o sogro e um jovem casal vizinho com o seu bebé, todos obrigados a partilhar o seu tecto.

 

A veterana Hiam Abbass, na pele da protagonista, é uma das poucas actrizes profissionais de um elenco maioritariamente composto por sírios entretanto refugiados no Líbano, onde o filme foi rodado. Mas nem se nota qualquer discrepância interpretativa, tendo em conta o elenco uniformemente excelente, no qual é fácil acreditar logo aos primeiros minutos. Abbass, ainda assim, destaca-se pela perseverança de uma mulher que se recusa a abandonar o seu espaço, chegando a lembrar a obstinação de Sônia Braga em "Aquarius" (apesar das muitas diferenças de contexto).

 

Enquanto apresenta esta reclusão forçada, "NA SÍRIA" consegue desenhar uma atmosfera tensa e inquietante embora com direito a alguns momentos de descompressão, nos quais se instala uma candura pouco habitual em relatos bélicos.

 

Na Síria

 

Van Leeuw é muito bom no retrato da dinâmica familiar e na conjugação de cenas espirituosas e angustiantes, mesmo que deixe sempre no ar a sensação de perigo iminente (o trabalho de som, incrível, é uma lição de como fazer muito com pouco). E nunca sugere partir daqui para um exercício de estilo clínico e manipulador, mantendo um registo intimista e empático na linha do cinema de Asghar Farhadi ("Uma Separação", "O Vendedor"), mas tematicamente mais próximo do óptimo (e esquecido) "Private", de Saverio Costanzo (que só passou por cá no IndieLisboa, em 2005).

 

A ter alguma limitação, "NA SÍRIA" pecará pelo final abrupto, que talvez deixe demasiadas pontas soltas num argumento com potencial para ir mais longe e com personagens que gostaríamos de acompanhar mais algum tempo. A nível formal, no entanto, essa é uma opção que acaba por fazer sentido, fechando um ciclo sem tranquilizar os protagonistas nem os espectadores - e a reforçar, para o melhor e para o pior, que histórias como esta insistem em não terminar à saída da sessão.

 

4/5

 

 

A escola do rock ainda tem bons alunos

Cherry Glazerr

 

Com dois EP e dois álbuns no currículo desde 2013, os CHERRY GLAZERR têm mostrado ser uma das revelações do rock norte-americano a ter debaixo de olho. Em "Apocalipstick", editado no início de 2017, o trio de Los Angeles trocou os ambientes lo-fi do disco de estreia, "Haxel Princess" (2014), por canções mais encorpadas, grandiosas e polidas, sem perder a garra adolescente pelo caminho - Clementine Creevy, a vocalista, guitarrista e compositora, formou a banda aos 15 anos.

 

Agora, enquanto continua a levar o segundo álbum a vários palcos (incluindo uma passagem pelo Coachella e as primeira partes dos Portugal. The Man ou The Breeders), o grupo começa a moldar os contornos do terceiro e parece reforçar a viragem sonora.

 

"JUICY SOCKS", o novo single, volta a canalizar ecos do grunge e do rock alternativo à anos 90 enquanto faz tangentes à dream pop e ao shoegaze, um pouco na linha do que os também relativamente recentes Speedy OrtizChastity Belt têm feito - os primeiros com mais sarcasmo, os segundos com mais doses de negrume. E entre a calmaria do arranque e a explosão de um refrão pegajoso, acrescenta um passo seguro a um percurso em crescendo, guiado por uma voz carismática - com a medida certa de doçura e ansiedade. É banda para continuar a acompanhar, portanto:

 

 

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